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Ele queria um museu, mas a morte veio antes...

  Morte repentina de antigo morador de distrito de Apucarana, que colecionava mais de 30 mil objetos antigos,   e pretendia transformar casa em espaço para abrigá-los, revela incertezas sobre projeto (Donizete Oliveira: Texto e fotos)   Antônio Carlos mostra antigo cortador de tabuinhas, usadas antigamente para cobrir casas U ma sexta-feira de sol, céu límpido e um vento brando, que assoprava levemente as plantações à beira da estrada. Típico dia de inverno. Vanderlei conduz o carro que me leva até o distrito de Caixa de São Pedro, a 22 quilômetros de Apucarana. Disseram que lá existe um morador que coleciona objetos antigos. À primeira vista, imaginei alguém que juntasse algumas velharias. Aparelhos de rádio, televisão, toca-discos, despertador, panela de ferro ou algo parecido, que vez ou outra vemos por aí. Chegamos ao local indicado. O dono dos tais objetos se aproxima. Nos convida para ir à pracinha do distrito. Iria falar da história do local e, em seguida, nos leva...

UM CABOCLO NA CIDADE

Alcino, chamado de “O cantor das estrelas”, trabalhou na roça e se mudou para Apucarana, onde  passou por diversos empregos, mas aos 57 anos conseguiu se dedicar ao seu dom, gravou cinco CDs e compôs mais de 50 músicas sertanejas (Texto e foto Donizete Oliveira) As ruas tranquilas de Miradouro, cidade mineira com pouco mais de dez mil habitantes, nas margens da BR-116, a conhecida Rio/Bahia, refletem o silêncio das montanhas que a cercam. Cenário perfeito para compor uma moda caipira, daquelas que narram a vida de um caboclo. Alcino José da Silva nasceu lá, mas veio criança com a família para o Paraná. Ele não pôde compor músicas apreciando as paisagens da cidade natal, mas inspirou-se na vida do interior, tornando-se compositor e cantor. Apesar de bucólicos, seus versos, às vezes, são tristes. Retratam o árduo trabalho na roça, que nem sempre traz recompensa. “Os violeiros cantando falam do meu sertão/Não pude ser feliz, só tive decepção/Trabalhei muitos anos, não tive compensa...

O PÃO NOSSO DE CADA DIA...

  Padeiro que bateu e assou massa por mais de 50 anos lembra do tempo em que as carroças faziam filas à frente das padarias para levar pão e leite até a casa dos moradores, que pagavam ao dono do comércio no fim do mês Texto e foto Donizete Oliveira Acomodado numa cadeira, ele não arreda os olhos do jogo de sinuca. A cada tacada, uma bolinha vai; outra vem. Até a última cair. O vencedor grita e joga o taco sobre a mesa. Pausa. Uma cerveja. Conversa fora. Mais uma partida. Aquele senhor grisalho permanece vidrado nas tacadas. Quem ganha, quem perde? Não importa. Vale o passatempo. Dos jogadores e dele, que anos a fios trocou o dia pela noite para ganhar o pão e garantir o pão alheio. Aposentado, assiste aos amigos, em intermináveis disputas de sinuca. Num bar na rua Osvaldo Cruz, em Apucarana. A maioria que ali frequenta o conhece. É Antenor Rafael. “Debulhar o trigo/Recolher cada bago do trigo/Forjar no trigo o milagre do pão”. Os versos de Milton Nascimento e Chico Buarque, ...

Pitoco repousa à sombra de um pé de incenso

  (Texto e foto: Donizete Oliveira) O ano era 2010. Eu vi um cachorro amarelo que dormia enrolado num monte de areia, na calçada da rua da casa da minha irmã. No outro dia, ele se aprochegou do portão dela, bebeu água e comeu ração num pote. Ela o deixa ali para cachorros que passam por lá. Mas o Pitoco, assim o nomeamos por causa do toco de cauda, ficou. Dormia na frente da grade. Inquieto e individualista, não convivia com outros cães. Qualquer aproximação era motivo de briga. Arrumou uma treta com um cão do vizinho. Certa vez se atracaram na rua. Minha irmã tentou separar, e um deles a mordeu no braço.             Pitoco tinha outro problema. Corria atrás de motoqueiros. Eu via o dia em que alguém o mataria. Antes que o pior ocorresse o adotamos. Veio para o quintal. Tornou-se conhecido no bairro. Eu o levava para caminhar; as pessoas o chamavam pelo nome. Após um tempo, eu ia correr oito, dez quilômetros; ele junto. Uma...

João do Rio no churrasco de Rio Bom

       Sentei. Junto dos amigos Zé Lino, Aranha e Benito, que não via fazia meses. Prosa vai, prosa vem, espeto fincado num pedaço de madeira, churrasco que chegava às mesas. Já fui à Festa do Rio Bom algumas vezes, mas desta vez me pus a assuntar. E percebi que festa em uma cidadezinha com pouco mais de três mil habitantes pode ser chique. Quase um desfile, de moda mesmo, daqueles concorridos. Mulheres de vestidos longos, botas até o joelho, joias no pescoço, na mão, maquiagem nos trinques. Homens de chapéu caubói, camisa Lacoste, calça jeans e botas de bico fino. Mas o que mais me impressionou foram as bolsas. Comecei a contar as marcas. Dei conta, não. Muita grife. Barracas apinhadas de gente. Atendentes se virando pra aprontar mais uma mesa. Hora do almoço. Eles agarravam um pedaço redondo de madeira. Colocavam sobre um cavalete. Pronto.   Mais gente acomodada. E dão lhe bolsas cujos zíperes, fivelas e logotipos ofuscavam meus olhos. Louis Vuitton, Gucci e...

UMA MULHER MARCADA PARA RESISTIR...

  Símbolo da luta pela terra no Brasil, Elizabeth Teixeira, que completou 99 anos, continua a luta do marido, assassinado em 1962, a mando de latifundiários, que deu origem ao documentário de Eduardo Coutinho, “Cabra marcado para morrer” Texto: Donizete Oliveira Foto: Memorial das Ligas e Lutas Camponesas 1, 2, 3... três tiros ecoaram nas margens da BR-230, que liga João Pessoa a Sapé, município de 52 mil habitantes, a 57 quilômetros da capital paraibana. Era 2 de abril de 1962. A vítima assassinada a tiros de fuzil pelas costas era o agricultor João Pedro Teixeira. Marido de Elizabeth Altino Teixeira, ele travara uma luta ferrenha com latifundiários da região. Rechaçava os maus tratos a trabalhadores rurais e exigia a reforma agrária. Reivindicação antiga que põe o Brasil entre os raros países do mundo que não a fizeram. João Pedro sabia que podia morrer, mas foi às últimas consequências contra os algozes daqueles que lavravam a terra e dela tiravam o sustento. A altiva ...

O maratonista que venceu o alcoolismo e o cigarro

  Atleta de 71 anos, que perdeu uma visão num acidente, se tornou o segundo melhor corredor brasileiro de longa distância na sua categoria e treina para superar o primeiro, correndo 20 quilômetros por dia Texto: Donizete Oliveira - Foto: Divulgação   M agro, cabelos grisalhos. Passadas curtas e rápidas, muito rápidas. Quase sempre campeão na sua categoria. Quem acompanha corridas de rua logo vai perceber que se trata de Mário de Jesus Almeida, conhecido por Mukeira, na sua cidade, Mauá da Serra, no Vale do Ivaí. Por muitos anos foi saqueiro. No muque punha um saco de café ou cereal na cabeça e carregava, daí o apelido. Nascido em Pitangueiras, em 3 de outubro de 1952, mora em Mauá desde 1986. Quem o vê correr pode imaginar que é um atleta que começou menino, mas não. Ele corre desde os 41 anos. Antes era sedentário, fumante e alcoólatra. Chegava a beber dois litros de cachaça por dia. Cigarro, consumia dois maços diários. Num dado momento, pensando na vida, descobriu que...