UM TOM INUSITADO


Aos 80 anos, Tom Zé pulou, brincou, cantou, encantou e contou muitas histórias na FLIM, em Maringá, em 2016, mostrando que apesar da idade, continua um menino irreverente e cheio de vitalidade
Texto Airton Donizete
Fotos Wellington Carvalho
Não pude participar todos os dias da Festa Literária Internacional de Maringá (FLIM), em 2016. A programação estava repleta de boas atrações, mas fui apenas à palestra de Tom Zé. Auditório lotado. Gente de Maringá e região para ver o artista baiano. Artista é pouco para nominá-lo, tamanha sua arte irreverente.
Nascido em 11 de outubro de 1936, ele parece um menino. Pula, brinca, canta, encanta e conta histórias. Ao chegar ao auditório da FLIM, acompanhado do mediador da mesa, jornalista Marcelo Bulgarelli, Tom Zé brincou com a plateia:
- Mas vocês são uns bandidos, hein! Todo mundo aí pra me ouvir... agradeçam à secretária de Cultura, que me trouxe aqui. Obrigado, “maringuenses”!
Filho de sertanejos da pequena Irará, no recôncavo baiano, viu sua vida mudar, em 1925. Naquele ano, o pai dele ganhou na Loteria Federal. O talento o alçou a uma sólida carreira artística. Destacou-se na Tropicália, mas quem o descobriu foi o músico escocês David Byrne. A versatilidade do artista baiano o impressionou.
E tudo começou na loja que o pai dele abriu com o dinheiro da “sorte grande”. Ali, ele aprendeu a língua do povo sertanejo. Um jeito diferente de falar, igual aos personagens do monumental livro “Grande Sertão: Veredas”. Anos depois, Tom Zé conheceu o livro e ficou embasbacado com o que viu lá.
- Era o mesmo tagarelar daquela gente que se acotovelava no balcão da loja do meu pai. Que livro era aquele? Eu descobri que falava Guimarães Rosa.
Auditório em silêncio, olhares vidrados. Ninguém quer perder uma nesga da fala, que desfia história. Aristóteles, Arthur Clark, Augusto de Campo, Nikolau Sevchenko, um poeta francês (cujo nome não me lembro) e Euclides da Cunha. Ainda menino, ao deparar com “Os Sertões”, se assustou com a primeira parte: “A Terra”, linguagem árida, pesada; a segunda, “O Homem”, atraiu mais seu interesse, mas se apaixonou mesmo por “A Luta”.
Outra vez algo lhe chamara atenção. Se em Guimarães Rosa era a fala dos personagens; em Euclides da Cunha eram os próprios personagens. Percebeu que o povo dele (do sertão baiano) compunha o enredo traçado por Antônio Conselheiro e seus seguidores. Os sons perseguem-no. Se em Canudos balas assobiavam pelo ar; no auditório da FLIM, uma criança chora. A mãe sai do recinto tentando acalmá-la. O choro se transforma em gritos estridentes.
- Que roqueiro bom, hein! Se tivesse um desse pra botar num disco meu, brinca Tom Zé com a birra da criança e arranca aplausos da plateia.
Para ele, qualquer coisa se transforma em poesia.  Ingá Vans, Ingá Express, Odontorriso. Diz serem exemplos de poesia concreta que viu pela cidade. Então, nós, “maringuenses”, éramos poetas concretos e não sabíamos? Depois de uma aula de história regional, nacional e universal, uma canja do novo CD: “Canções eróticas de ninar”. Uma prévia do que seria o show logo mais à noite. Ah, quem quisesse comprar CD, livros e discos... a banquinha ali do lado.
- Depois eu autografo, avisa à plateia, cujo rosto denunciava os minutos nutridos de sabedoria vivenciados naquela manhã.
Antônio José Santana Martins nasceu Tom Zé. Está lá no site dele: Casualmente no final dos anos 1980, o disco “Estudando o Samba” foi ouvido pelo multiartista David Byrne, ex-Talking Heads, que perguntou por telefone a Arto Lindsay: “Que país é esse, que tem um artista assim e tão poucos conhecem?” E lançou sua obra nos Estados Unidos, com grande sucesso de crítica e público.
Então, pensando bem, Tom Zé é um sujeito com defeito de fabricação, o que lhe permite descobrir beleza em regiões estranhas, como disse Byrne. Demos graças à criação pelo tom da criatura. Um tom inusitado.

FOTOS
Tom Zé durante palestra na FLIM mediada pelo
jornalista Marcelo Bulgarelli





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