Nos anos 1950, Tião Carreiro
vinha com frequência a Maringá, de onde saía com seu parceiro, Pardinho, para
se apresentar nos circos da região, e numa dessas paradas no antigo Hotel
Paulistano, com ajuda de Zorinho, atual maestro Itapuã, ele criou uma batida
diferente na viola, consagrando um novo jeito de tocar o instrumento. É o que
mostra o documentário “A mão direita do Itapuã – um caminho possível para
conhecer o ritmo do pagode”, realizado pelo músico e pesquisador paulista Saulo
Alves
(Texto: Airton Donizete - Fotos: Divulgação e Domingos
Bernardino)
Houve
um tempo em que Maringá respirava música sertaneja. Não, não é exagero. Não era
como hoje em que músicas ditas sertanejas se propagam por várias mídias. Na
década de 1950, os que dispunham de rádio ouviam programas sertanejos e, por
aqui, havia os circos e o auditório da Rádio Cultura, na esquina das Avenidas
Herval e 15 de Novembro, com apresentações e encenações sertanejas. A televisão
engatinhava; o lazer se resumia aos circos, às apresentações de duplas
sertanejas e ao cinema.
Diante de tanta batida de viola e
cantoria naquela boca de sertão, a jovem Maringá começou a atrair muitas duplas
sertanejas de São Paulo. Apresentar-se por aqui era certeza de casa cheia e
cachê garantido. O Hotel Paulistano, que ficava ao lado da Praça Raposo
Tavares, tornou-se o destino da maioria delas. Com o passar do tempo, ganharam
intimidade com o gerente do hotel, Antônio Martim Filho. Conhecido por Lenço
Verde, ele se tornou empresário artístico das duplas na região, acertando shows
e apresentações em circos.
O músico e pesquisador musical Saulo Sandro Alves
Dias, 45, de São Paulo, se interessou por um detalhe dessa história. Graduado e
mestre em música, Doutor em Educação e pós-doutor em música pela Unicamp, ele soube
que Tião Carreiro criou o pagode de viola em Maringá. Frequentador assíduo da
Cidade Canção, o parceiro de Pardinho permanecia meses no Hotel Paulistano, de
onde partia para apresentações na região. Nas horas de folga, Lenço Verde ia
com ele, de jipe, levar roupa do hotel para lavar.
-
O Tião era um sujeito muito simples que, inclusive, me ajudava em pequenas
tarefas no hotel – dizia Lenço Verde.
A
pesquisa de Saulo rendeu um documentário que acaba de ser lançado em São Paulo.
“A mão direita do Itapuã – um caminho possível para conhecer o ritmo do pagode”
revela como o pagode de viola foi criado em Maringá. O filme de 22 minutos
exibe dois personagens que perfazem a história: o animador e apresentador sertanejo
Orlando João Zenaro Manin, 78, o Coronel do Rancho, e Ozório Ferrarezi, 78, o
Zorinho, que por muitos anos formou a dupla Zezinho e Zorinho, e hoje é o
maestro Itapuã, professor de música em Santa Carmem (MT).
Coronel
do Rancho, na gerência da Rádio Cultura, acompanhava os ensaios de Tião
Carreiro numa salinha nos fundos da emissora.
-
Tião era um sujeito inquieto. Pegava a viola, mexia e remexia nas cordas, até
que um dia notei uma batida diferente, e ele me contou que aquele estilo se
chamava pagode -.
A
batida diferente vinha dos ensaios entre Tião e Itapuã, no Hotel Paulistano.
Um
dia Tião lhe disse que tentava criar um novo ritmo na viola, mas os violonistas
não se acertavam no acompanhamento.
-
Então pedi a ele que tocasse a novidade pra mim. Ouvi por um instante o repique
da viola e não pensei duas vezes em complementar com o violão aquele ritmo
parecido com rumba espanhola e aí foi um casamento perfeito, dando origem ao
pagode de viola -, conta Itapuã.
Itapuã
afirma no documentário que visitara Tião no hospital em São Paulo pouco antes
de ele morrer, em 1993. O violeiro nunca disse publicamente que o maestro o
ajudara a criar o pagode, mas lhe teria feito uma revelação durante a visita no
hospital.
- Ele
me disse: ‘quero que todos saibam que este moço foi meu parceiro na criação do
pagode de viola’ e nunca reivindicou seus direitos -.
Itapuã
se emociona com a revelação do então parceiro, dizendo não fazer questão do
reconhecimento público.
-
O que importa é minha amizade com o Tião, que foi muito bonita e possibilitou
essa parceria - afirma. Em 1956, viria o primeiro disco em 78 rotações de Tião
Carreiro e Pardinho, com as músicas: “Boiadeiro Punho de Aço” e “Cavaleiros do
Bom Jesus”. Ali, já podiam ser notados os primeiros acordes do pagode que
ganharam perfeição em 1960 com “Pagode em Brasília”, clássico de Teddy Vieira e
Lourival dos Santos.
Saulo diz que não pretendia incluir
o norte e noroeste do Paraná nas pesquisas que realiza sobre música, mas ao
saber da parceria entre Tião e Itapuã na criação do pagode seus planos mudaram.
-
Este fato, que julgo ser
bastante importante para a compreensão da história da música sertaneja, ocorreu
em Maringá - diz o pesquisador, acrescentando que a música sertaneja tornou-se
muito presente em toda esta região, acompanhando o ciclo econômico do café e os
empreendimentos da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná.
- A Rádio Cultura de Maringá, por
exemplo, tocava o cancioneiro caipira para atender ao grande número de
migrantes que ocupou a região, que já eram ouvintes da música de viola -.
Ele pretende continuar pesquisando a
música sertaneja no norte e noroeste do Paraná. Para Saulo, as modas campeiras “Paraná do Norte” e “Filão
de Ouro”, ambas do compositor Diogo Mulero, o Palmeira, dão ideia acerca da
visão de mundo que permeia o cancioneiro de matriz cultural caipira.
- Diogo
Mulero e Luizinho (Palmeira e Luizinho) foram pioneiros entre as incontáveis duplas que ‘faziam o norte
do Paraná’ - uma expressão típica entre as duplas que se hospedavam no Hotel
Paulistano, que ficava ali na Rua Joubert de Carvalho, do lado da Praça Raposo
Tavares -, arremata o pesquisador. Mário de Almeida, parceiro na realização do
documentário, muito contribuiu para a qualidade final do trabalho.
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O pesquisador Saulo Alves lança documentário sobre criação do pagode de viola, em Maringá |
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Zorinho, atual maestro Itapuã, entre a dupla Milionário e Zé Rico, foi parceiro de Tião Carreiro |
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Tião Carreiro, que, segundo o documentário de Saulo, criou o pagode de viola em Maringá |