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Jornais de todo o Brasil estamparam manchetes da tragédia que arrasou com os cafezais do Paraná |
Uma
das maiores produtoras de café da região foi a Companhia Melhoramentos Norte do
Paraná (CMNP). Colonizadora que nasceu da Companhia de Terras Norte do Paraná,
fundada por ingleses em 1925. Paralelo à venda de terras, a companhia comprou
algumas fazendas para cultivar café.
Quem
viveu essa época de fortuna dos grandes cafezais é o pioneiro José Remígio
Pereira, que chegou a Maringá em 1953. Ele morreu em 2016, aos 103 anos, mas em
2015, no aniversário de 40 anos da “geada negra”, me recebeu na casa dele, em
Maringá, para uma entrevista sobre o assunto. O pioneiro se recordou de quando
saía pela região para consertar as máquinas de café da companhia, onde
trabalhava.
Um
de seus trajetos era ir até Umuarama (160 quilômetros de Maringá) reparar uma
máquina cafeeira. Com chuva, de jipe, demorava sete horas pela estrada de chão
batido. O meio mais fácil era o avião teco-teco, que fazia o percurso em 40
minutos. “Lá de cima, a gente via aquela nuvem de poeira que saía do chão, era
Maringá”, conta.
Na
cidade, tornou-se operador da Cafeeira Santo Antônio, que funcionava na Avenida
Mauá, esquina com a Avenida Tuiuti. Em 1965, foi vendida para a Companhia
Melhoramentos Norte do Paraná. O gerente da colonizadora, Alfredo Nyfeller,
impôs uma condição: só compraria a cafeeira se Remígio, Luiz Roberto Bolotta e
Dante Panzeri (também funcionários) viessem juntos.
Proposta
aceita, Remígio permaneceu 31 anos na companhia. Ele lembra que em época de
safra beneficiava 200 sacas de café por dia. As fazendas da colonizadora tinham
1 milhão de pés de café e produziam em torno de 50 mil sacas por ano.
Luiz Roberto Bolotta, 73, da Cafeeira Santo Antônio foi transferido para o escritório da companhia, na esquina entre a Avenida Duque de Caxias e rua Joubert de Carvalho, onde trabalhou por 35 anos. Na época, havia mais de 50 máquinas de beneficiar café em Maringá. Segundo ele, o café rendia muito dinheiro para a companhia. “No período de venda, minha rotina era contar maços de cédulas no balcão do escritório e levar tudo a pé numa sacola ao banco”, conta. “Naquele tempo não havia assalto”.
Remígio tem oito filhos de três casamentos. É casado pela terceira vez com Florinda Rossi Pereira, 81. Ele diz que naquele dia 18 de julho de 1975 fez tanto frio que se os pés de café tivessem sido cobertos queimariam do mesmo jeito. “Eu fiz o teste”, conta. “Cobri um pé que tinha no quintal de casa, mas ficou todo preto soltando a casca”. As mangueiras de água amanheceram congeladas. “Algumas chegaram a partir”, acrescenta o pioneiro.
Golpe de misericórdia e até suicídios
O
jornalista Valderi dos Santos diz no seu livro, “O café no norte do Paraná –
ascensão e queda”, que a geada de 1975 destruiu mais de 900 milhões de pés de
café no Estado. Ele ressalta, no entanto, que o fenômeno foi apenas um golpe de
misericórdia. Para o jornalista, o governo federal não dera devida atenção aos
cafeicultores, derrubando o preço da cultura, desvalorizando-a no mercado. Eram
tempos difíceis. Os agricultores, que não recebiam incentivos do governo, foram
mais rápidos à lona com as condições adversas do clima.
O engenheiro agrônomo Marcos Aurélio Volpato,
56 anos, diretor geral de Agricultura, da Prefeitura de Marialva, afirma que o
estrago da geada se ampliou porque a maioria dos agricultores dependia apenas do
café. Houve casos em que a perda chegou ao extremo. “Alguns que já estavam
endividados acabaram cometendo até suicídio”, conta. Na época, ele era estudante
do antigo segundo grau.
Volpato ressalta que o pior ocorreu
após a destruição dos cafezais. Muita gente se mudou da zona rural para
capitais. Irineu Pozzobon, no livro: “A epopeia do café no Paraná”, afirma que
entre 500 e 600 mil trabalhadores deixaram o Estado. A maioria foi para São
Paulo trabalhar nas indústrias automobilísticas. “Com as crises econômicas
muitos perderam o emprego e ficaram na penúria”, declara. “Os que não conseguiram
voltar ou não trocaram de ramo sofreram muito”. A soja foi uma das
opções para quem quis continuar na agricultura.
A
safra paranaense de 1975, colhida antes da geada, rendeu 10,2 milhões de sacas
de café, 48% da produção brasileira. O Estado tinha uma produtividade superior
à média nacional. No ano seguinte, a produção foi de 3,8 mil sacas. Não houve
exportação. A participação paranaense na produção brasileira caiu para 0,1%.
Especialistas avaliaram que o prejuízo chegara a Cr$ 600 milhões (pela cotação da época, o equivalente a US$ 75 milhões) apenas nas lavouras de café. Outras culturas também foram atingidas. Mas o café sustentava a economia do Paraná naquela época. Uma situação que mudaria em seguida, pois os cafeicultores nunca mais se recuperariam daquele evento climático.
O fotógrafo do café
Em
seu Jipe Willys fabricado em Toledo Ohio, nos Estados Unidos, em 1954, ele
cortava as estradas barrentas do norte e noroeste do Estado. “Por aqui havia a
fama: quando não era pó, era lama, mas a gente encarava e ia em frente”,
recordara-se ele, em entrevista, em 2013. Trata-se do fotógrafo Armínio Archimedes
Pedro Gonçalves Kaiser, que morreu em 2014, aos 88 anos. Engenheiro agrônomo,
ele trabalhou no Instituto Brasileiro do Café entre 1953 e 1989. Nas visitas
que fazia pelo Paraná fotografava assuntos relacionados ao café.
O
acervo fotográfico de Armínio veio a público com os livros “Ao sabor do Café” e
“Ao aroma do café”. A autoria dos trabalhos é do Instituto de Memória e Imagem
“Câmara Clara”. Não faltavam cenas para a câmera dele. Em 1967, em Mandaguari,
um homem, que vem da zona rural, leva ao cemitério, o corpo do filho num
caixãozinho. Dois sujeitos proseiam na beira de uma estrada, que, segundo
Armínio, se intitula: “Esperando Godot”. “Mas Godot não veio”, complementa.
As
cenas mais tristes que fotografou talvez tenham sido em 1963, ano de um incêndio
nas lavouras do Paraná. Após uma grande geada, pastos e cafezais ficaram secos.
Trabalhadores atearam fogo para fazer o plantio esperando a chuva, que não
veio. O fogo se alastrou e por cerca de quatro meses transformou em cinzas
casas, lavouras, pontes e tudo que tinha pela frente.
Mas
as geadas de 1962 e 1963 e o incêndio rural que se seguiu no Paraná não
impediram a grande produção cafeeira. Veio a erradicação. Em seu livro “A
epopeia do café no Paraná”, o engenheiro agrônomo Irineu Pozzobon escreve que a
erradicação atingiu 1,34 bilhões de cafeeiros no Brasil; 249 milhões no Paraná.
Com
a crise de 1929, o preço do café despencou no exterior. O governo federal
resolveu comprar 18 milhões de sacas, ajudando os produtores. Sem ter o que
fazer com tanto café, queimou-as. Armínio descrevera: “Quem passasse entre
Arapongas e Sabáudia em junho de 1961 assistiria a um espetáculo inédito: um
mundaréu de café pegando fogo. Por aqui, ouvi falar em 10 milhões de sacas de
café virando cinzas”.
Após as geadas e os incêndios da década de 1960, o frio voltou em
1975. As lavouras que mal tinham saído de uma catástrofe eram dizimadas pela
geada negra.
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Em milhares de fotos como esta, que mostra a mulher rural, Armínio Kaiser retratou o auge do café no Paraná |
Geada negra mata até a raiz
A
geada negra é formada por uma condição atmosférica que congela a parte interna
da planta. O poder de destruição é maior. Ocorre quando há atuação de massa de
ar polar de forte intensidade, com temperatura baixa e pouca umidade. Em
contato com a superfície há o congelamento, provocando enormes danos físicos na
planta. “É um fenômeno precedido de muito vento”, diz o professor Hélio
Silveira, 44, do departamento de Geografia da Universidade Estadual de Maringá
(UEM) e coordenador da Estação Climatológica da mesma instituição.
Quando
se forma apenas uma camada de gelo na superfície chama-se de geada branca. Se a
seiva da planta congelar é geada negra. Esse último tipo é a mais devastadora
para as plantações, mas só ocorrem em cidades bem frias. No Brasil, na maioria
das vezes, apenas nas regiões serranas do Sul. Foi o que ocorreu em 18 de julho
de 1975. No dia anterior ventou muito. “A geada negra se forma devido ao vento
muito gelado, congelando a seiva da planta e ocasionando perda total”, afirma
Silveira.
O
jornalista Valderi dos Santos, no livro “O Café no norte do Paraná – ascensão e
queda” relata que em 1953, a geada provocou queda de 58% nas safras seguintes.
Em 1955, 65%; 1962, 49%; 1963, 22%; 1966, 24%; 1969, 87%; 1972, 58% e 1975
prejuízo total. “Na época foi destruído todo o parque cafeeiro do Estado”,
escreve ele.
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A economia, que dependia muito do café, demorou a se recuperar |
Produção ressurge com qualidade
O
Paraná hoje não figura entre os maiores produtores de café do Brasil. Há muitos
anos, perdeu o posto para Minas Gerais. Mas o Estado vive um bom momento na
produção do grão. As pequenas propriedades lideram a produção. A maioria é cultivada
mecanicamente. É o caso de Antônio Geraldo Rosseto, 54, de Mandaguari.
Descendente
de italiano, cujos pais, em 1953, atraídos pelo café, vieram do interior de São
Paulo para Mandaguari. A família Rosseto
tem um sítio nas margens da rodovia que liga a cidade à Maringá. Antônio, que
nasceu na propriedade, cultiva 20 mil mudas. A colheita lhe garante em torno de
500 a 600 sacas em coco. A diferença está na lida do produto. Tudo mecanizado.
A
colheita dos grãos é feita com máquinas manuais. Em seguida, são transportados
numa caminhonete até o terreiro. Rosseto não quis nem posar para foto com um
rastelo na mão. Mas nem sempre foi assim. Segundo ele, antigamente, “era tudo
no braço”. Quando ameaçava chuva durante a colheita era um problema. “A gente
ia pegar um animal para pôr no carrinho era um Deus nos acuda”, afirma. “Parece
que o bicho adivinhava e danava a correr”.
Apesar
dos contratempos na economia que atrapalham a agricultura, ele e a família
apostam no café, que já lhe deu um título de melhor produtor regional em
concurso organizado pela Cooperativa Agropecuária e Industrial de Mandaguari
(Cocari). “Hoje, o que manda é a qualidade”, diz. “Pouca planta e bastante
colheita”. Antigamente, plantava-se muito, mas produzia menos e com qualidade
inferior.
Para
ele, a geada de 1975 foi uma catástrofe, mas quem não dependia de mão de obra
conseguiu se recuperar. É o caso da família Rosseto que sofreu o impacto do
fenômeno climático, mas se reergueu. Mesmo assim, alguns dos parentes foram para
São Paulo, onde moram até hoje.
O
agrônomo Marcos Aurélio Volpato diz que o café é um bom negócio, levando em
conta o preço, que gira em torno de R$ 400 a saca de 60 quilos. Mas ele
aconselha o produtor a explorar a atividade com mão de obra familiar, evitando
gastos excessivos. “Mecanizar o máximo possível e só contratar mão de obra
esporadicamente”, diz, acrescentando: “Cultivar a lavoura no sistema adensado;
utilizar cultivares mais resistentes a pragas e doenças; colher no pano com
sopradores de palhas motorizados e secar em terreiros suspensos ou em lonas
plásticas”.
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Rosseto, de Mandaguari, diz que colheita atual é à base de máquina e prima pela qualidade (Foto: Donizete) |