segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

O PÃO NOSSO DE CADA DIA...

 

Padeiro que bateu e assou massa por mais de 50 anos lembra do tempo em que as carroças faziam filas à frente das padarias para levar pão e leite até a casa dos moradores, que pagavam ao dono do comércio no fim do mês

Texto e foto Donizete Oliveira

Acomodado numa cadeira, ele não arreda os olhos do jogo de sinuca. A cada tacada, uma bolinha vai; outra vem. Até a última cair. O vencedor grita e joga o taco sobre a mesa. Pausa. Uma cerveja. Conversa fora. Mais uma partida. Aquele senhor grisalho permanece vidrado nas tacadas. Quem ganha, quem perde? Não importa. Vale o passatempo. Dos jogadores e dele, que anos a fios trocou o dia pela noite para ganhar o pão e garantir o pão alheio. Aposentado, assiste aos amigos, em intermináveis disputas de sinuca. Num bar na rua Osvaldo Cruz, em Apucarana.

A maioria que ali frequenta o conhece. É Antenor Rafael. “Debulhar o trigo/Recolher cada bago do trigo/Forjar no trigo o milagre do pão”. Os versos de Milton Nascimento e Chico Buarque, em “Cio da Terra”, lhes parecem endereçados. Embora ele utilizasse o produto final do trigo, a farinha, produziu pão por mais de 50 anos. Noites adentro a bater a massa, que crescia e ia ao forno. Do lado de fora, as carroças adaptadas formavam uma fila a esperar os pães, que entregavam com o leite nas casas da cidade.

Nascido em Carlópolis (PR), em 7 de agosto de 1947, município na divisa com São Paulo, onde no passado, paulistas vasculhavam as montanhas atrás de ouro. Mas a família de Antenor não achou nenhuma pedra preciosa por lá e resolveu tentar a vida em outras bandas. O pai dele, Benedito, cultivou fazendas de café em Londrina. O filho queria aprender uma profissão, mas não sabia o que seguir. Em Borrazópolis, trabalhou na roça. Mudou-se para Jandaia do Sul, ingressou na Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro, a famosa Sanbra, que fabricava óleo de algodão.

De lá veio para Apucarana. Com um amigo, Nestor, aprendeu os segredos de bater a massa, modelar os pães e pôr para assar. Com uma pá enorme os colocava no fundo do forno a lenha e prosseguia até completar a fornada. Madeira não faltava. Gurucaia, eucalipto, peroba, entre tantas outras. Ainda havia parte daquele sertão que cobrira o norte do Paraná. Nos pátios das padarias, a pilha de lenha tinha mais de dez metros de altura. Os pedaços eram consumidos na fornada de ao menos 15 mil pães por noite. “Uma rotina gostosa, que a gente fazia questão de cumprir porque o pão tinha de estar na mesa do café de milhares de pessoas”, conta Antenor, ao bebericar uma latinha de cerveja, na mesa do bar.

A fila das chamadas “carroças de padeiro” dobrava a esquina. Cada uma no seu roteiro, abasteciam a casa dos moradores, que pagavam o dono da padaria no fim do mês. Mas as cidades vizinhas, que não faziam pães, esperavam a entrega de Apucarana. Um tal Mané Boca Quente a fazia. De madrugada, ele lotava uma Kombi e saía rumo a Califórnia. Abastecia padarias, vendas e bares até Ortigueira. A Kombi do Mané era conhecida pelo ronco do motor que rompia o silêncio da madrugada. Com sol ou chuva, lá ia carregada de pães.

Após queimar muita lenha, os fornos se tornaram elétricos. Mas os donos de padaria se frustraram com o custo da energia. A indústria os substituiu pelos movidos a gás, que proporcionam rapidez e economia. O preparo da massa com fermento, o crescimento na estufa. Os tabuleiros ficavam abarrotados. Mais uma noite virava na rotina do antigo padeiro, que ensinou muita gente. É o caso de Moacir Paes, 51, que lhe agradece. “Além de me ensinar a trabalhar, me fez gente, sem ele eu não seria nada”, diz o padeiro, ao beber uma cerveja com o amigo que lhe ensinou a profissão.

Casado com Zuleica, pai de Marcelo, Juliano, que morreu após uma queda ao limpar um telhado, e Adriano. Tem dois netos e um bisneto. Ao avaliar os anos em que pôs a mão na massa, se diz realizado. “Fiz meu melhor numa época em que tudo era difícil”, afirma. Ele se refere à produção de pão hoje, cuja massa vem congelada, e as medidas prontas. Naquele tempo, na produção do pão sovado, por exemplo, como o nome diz, a massa tinha que ser batida até ficar densa.

 Pronto, ficava com uma textura característica. Coisa do passado. Não se faz mais pão sovado. As padarias também mudaram. Até meado dos anos 70, eram sinônimos de pão e leite. As mais tradicionais nem balcão tinham. Os clientes compravam o pão e o leite e levavam para casa. Hoje, viraram um comércio como qualquer outro e vendem diversos produtos. “Antigamente, havia o padeiro, o farmacêutico, o médico, o vendeiro, o alfaiate, as pessoas se identificavam com os profissionais, hoje, não, tudo é transitório”, reflete Antenor. 

O padeiro aposentado Antenor recorda os tempos em que fazia pães em Apucarana nos anos 70 e 80

                                                                  
Quem consome pães hoje, muitas vezes não sabe como eram assados antigamente



                                                                                     
Um padeiro antigo em ação no forno a lenha, nos tempos em que o processo era manual

 

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Pitoco repousa à sombra de um pé de incenso

 

(Texto e foto: Donizete Oliveira)

O ano era 2010. Eu vi um cachorro amarelo que dormia enrolado num monte de areia, na calçada da rua da casa da minha irmã. No outro dia, ele se aprochegou do portão dela, bebeu água e comeu ração num pote. Ela o deixa ali para cachorros que passam por lá. Mas o Pitoco, assim o nomeamos por causa do toco de cauda, ficou. Dormia na frente da grade. Inquieto e individualista, não convivia com outros cães. Qualquer aproximação era motivo de briga. Arrumou uma treta com um cão do vizinho. Certa vez se atracaram na rua. Minha irmã tentou separar, e um deles a mordeu no braço.

            Pitoco tinha outro problema. Corria atrás de motoqueiros. Eu via o dia em que alguém o mataria. Antes que o pior ocorresse o adotamos. Veio para o quintal. Tornou-se conhecido no bairro. Eu o levava para caminhar; as pessoas o chamavam pelo nome. Após um tempo, eu ia correr oito, dez quilômetros; ele junto. Uma vez o levei para correr a Prova 28 de Janeiro, de Apucarana. Comigo, ele correu uma volta de cinco quilômetros em 28 minutos. Na chegada, ofereceram melancia; ele comeu um pedaço.

            A convivência se fortaleceu. Pitoco não era de pular, lamber. Manifestava carinho balançando o toco de cauda. Mas se apegou a mim. Tanto que passou a dormir no meu quarto, no chão, numa almofada que adaptamos para ele. Forte e destemido, continuou retinente a outros cães. Ao completar 15 anos, um dos bagos começou a inchar. Levei-o ao veterinário, que recomendou cirurgia. Ele a fez; o Pitoco se curou. Mas a idade havia chegado. Começou a cambalear. Mesmo assim, latia com cães que passavam na rua.

            Aos 17 anos, a cara começou a ficar levemente branca. Às vezes, a gente o carregava para mudar de lugar. Uma bolinha na gengiva o incomodava. Levamos ao veterinário, que disse se tratar de um câncer. Extraí-lo com cirurgia era recomendado, mas o problema era a idade. Podia não resistir. Medicou, mas o tumor cresceu. Até que ele não podia mais mastigar os alimentos. A gente dava comida pastosa, mas o problema se agravou. Passamos noites de agonia, reanimando-o. Ele parecia entender que a gente estava ali, ajudando-o.

            A gente não autorizou a eutanásia. Entendemos que o processo natural da morte, apesar do sofrimento, é mais sensato. Mais de 15 cachorros já morreram em casa sob nossos cuidados. Digamos que nos tornamos especialistas em cuidar até o fim. De humanos também. Ajudamos a cuidar do meu irmão e minha irmã nos seus últimos dias. Uma vez entrevistei a monja Coen, que me disse: “O cuidado é um ato de amor, fazer algo para um ser vivo que não vive sem essa ajuda”. Cito de memória, mas foi mais ou menos isso que ela disse.  

            De manhã, minha irmã me acordou, dizendo que o Pitoco havia se encantado. Fui vê-lo, e ele ainda estava quente. Remorei ali uma história de vida. Quando ele surgiu na rua e o acolhemos no quintal deveria ter uns três anos, conviveu 14 anos com a gente. Uma vida feliz. Talvez por isso tenha vivido tanto. Após enfaixa-lo com um pano, o enterramos no quintal, à sombra de um pé de incenso. Ao lado foram enterrados o Snnopy, a Neguinha e a Bibi. Outros enterramos no sítio do meu irmão. E continuamos a missão, de cuidar até o fim. De humanos e animais...

Pitoco na frente do quintal da casa da minha irmã, em Apucarana


sábado, 4 de maio de 2024

João do Rio no churrasco de Rio Bom

     Sentei. Junto dos amigos Zé Lino, Aranha e Benito, que não via fazia meses. Prosa vai, prosa vem, espeto fincado num pedaço de madeira, churrasco que chegava às mesas. Já fui à Festa do Rio Bom algumas vezes, mas desta vez me pus a assuntar. E percebi que festa em uma cidadezinha com pouco mais de três mil habitantes pode ser chique. Quase um desfile, de moda mesmo, daqueles concorridos. Mulheres de vestidos longos, botas até o joelho, joias no pescoço, na mão, maquiagem nos trinques. Homens de chapéu caubói, camisa Lacoste, calça jeans e botas de bico fino.

Mas o que mais me impressionou foram as bolsas. Comecei a contar as marcas. Dei conta, não. Muita grife. Barracas apinhadas de gente. Atendentes se virando pra aprontar mais uma mesa. Hora do almoço. Eles agarravam um pedaço redondo de madeira. Colocavam sobre um cavalete. Pronto.  Mais gente acomodada. E dão lhe bolsas cujos zíperes, fivelas e logotipos ofuscavam meus olhos. Louis Vuitton, Gucci e Colcci... entre as que vi.  

Saí com Benito pra ir ao banheiro do lado de fora. Numa mesa,  um casal. A mulher de vestido longo laranja com uma bolsa Gucci acomodada no meio da mesa. O parceiro, alto, de chapéu branco, com jeito de pouco uso. As costeletas pretas se encontravam com a barba. Chegou o churrasco, espetado no suporte de madeira ao lado da bolsa chique. Balbuciei no ouvido do Benito: você que desce pro Paraguai, comprar bugiganga, manja: é pirata? Ele bateu o olho, refletiu uns segundos e devolveu, chacoalhando a cabeça na horizontal.

Nem podia. As joias no pescoço não mentiam. Ao virar a cabeça, brilhavam. Óculos miúdos. Hastes finas, quase invisíveis. Bebia uma água mineral; ele, um refrigerante. Pouco se falavam. Voltamos do banheiro, um sol de estalar mamonas. Benito consultou o celular, 31 graus. No palco armado do lado de fora, uma dupla cantava “Caminheiro” na levada do tal sertanejo universitário. Me lembrei de Zilo e Zalo e de Anair de Castro Tolentino, que a compôs com aqueles versos: “Por favor diga pra mãe/Zelar bem do que é meu”. Tolentino, que se foi no ano passado, deixou centenas de composições.

De volta à mesa. Outro casal despontou. Ele de chapéu de couro preto, óculos escuros, camisa polo branca, do jacarezinho, calça jeans e botas azul escuro. Ela com um vestido verde e uma bolsa Louis Vuitton. Sumiram em meio a pá de gente que chegava e saía. Dali a pouco, Zé Lino, irretocável reclamão, disse que em relação a outros anos, o espeto havia encolhido. De um fizeram dois, questionou. Retruquei. Não era hora de contenda, mas de curtir a festa que estava pra lá de boa.  

Após mais algumas cervejas chamei a mulher. Me despedi dos amigos e fui dormir no banco do passageiro. Ela que não bebeu, conduziu a caminhonete. Fui embora entusiasmado, confesso. Fazia anos que não via tamanha elegância num churrasco de domingo. Na imensa barraca, só faltou um cantor, a caráter, acostumado aos acordes de uma churrascaria. Apreciei demais. Até a próxima. Cochilei no banco do passageiro com os versos do saudoso Tolentino na minha cabeça, na voz de Zilo e Zalo: ““Por favor diga pra mãe/Zelar bem do que é meu”.

Nota: Texto que recebi do amigo João do Rio, professor que nasceu em Minas Gerais, viveu em Campinas (SP) e, a convite de parentes, curte sua aposentadoria numa chácara na barranca do Rio Ivaí...


Churrasco no Espeto de Bambu, em Rio Bom. Foto: João do Rio

 

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

UMA MULHER MARCADA PARA RESISTIR...

 Símbolo da luta pela terra no Brasil, Elizabeth Teixeira, que completou 99 anos, continua a luta do marido, assassinado em 1962, a mando de latifundiários, que deu origem ao documentário de Eduardo Coutinho, “Cabra marcado para morrer”

Texto: Donizete Oliveira

Foto: Memorial das Ligas e Lutas Camponesas

1, 2, 3... três tiros ecoaram nas margens da BR-230, que liga João Pessoa a Sapé, município de 52 mil habitantes, a 57 quilômetros da capital paraibana. Era 2 de abril de 1962. A vítima assassinada a tiros de fuzil pelas costas era o agricultor João Pedro Teixeira. Marido de Elizabeth Altino Teixeira, ele travara uma luta ferrenha com latifundiários da região. Rechaçava os maus tratos a trabalhadores rurais e exigia a reforma agrária. Reivindicação antiga que põe o Brasil entre os raros países do mundo que não a fizeram.

João Pedro sabia que podia morrer, mas foi às últimas consequências contra os algozes daqueles que lavravam a terra e dela tiravam o sustento. A altiva luta dele se transformou em famoso documentário: “Cabra marcado para morrer”. Obra-prima que Eduardo Coutinho começou a produzir após a morte do camponês. O golpe civil/militar de 1964 a interrompeu. Após a anistia, ele voltou a filmá-la e a lançou em 1984. Uma reflexão que escancara as mazelas de um Brasil desconhecido, mas presente no nosso cotidiano.

De família de posses, o pai de Elizabeth não quis que a filha se casasse com João Pedro. Até dinheiro lhe ofereceu para que o deixasse, mas ela resistiu. Com a morte do marido, assumiu a luta pela reforma agrária. Um embate sem trégua. Tentaram silenciá-la. Num ataque a tiros, à casa dela, a prenderam. Paulo Pedro, seu filho, de 11 anos, quase morreu com uma bala na cabeça. Marluce, uma de suas filhas, com medo de que matassem a mãe e o resto da família, bebeu veneno e morreu. Após constatar a injusta prisão, o delegado a soltou.

Mas a luta de Elizabeth não parou. A exibição de “Cabra marcado para morrer” lhe deu visibilidade. Ela transformou sua luta em embate permanente pela reforma agrária. Proferiu palestras e participou de eventos pelo Brasil. Em Cuba, o então comandante Fidel Castro a recebeu. Para escapar da perseguição lhe ofereceu asilo político. Mas ela preferiu ficar e encarar a cruel realidade. Na ditadura civil/militar, por 16 anos, foi exilada no seu próprio país. Mudou o nome e viveu no interior do Rio Grande do Norte. Sobrevivia lavando roupa.  

Resistência e coragem não lhe faltam. Em 13 de fevereiro de 2024, ela completou 99 anos. Mora no bairro Cruz das Almas, em João Pessoa, com alguns dos seus 11 filhos e netos. Sem ceder um milímetro naquilo que a motiva: “um Brasil com terra para quem precisa”. Com ajuda da presidente do Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, Alane Lima, em Vila de Antas, Sapé, Elizabeth disse que a luta continua, sem tréguas. “A reforma agrária é uma causa nobre e necessária, portanto, vou até o fim nesse ideal, a exemplo do meu marido”, afirma. Uma mulher marcada para resistir...


Elizabeth resiste aos 99 anos




quinta-feira, 23 de novembro de 2023

O maratonista que venceu o alcoolismo e o cigarro

 

Atleta de 71 anos, que perdeu uma visão num acidente, se tornou o segundo melhor corredor brasileiro de longa distância na sua categoria e treina para superar o primeiro, correndo 20 quilômetros por dia

Texto: Donizete Oliveira - Foto: Divulgação

 

Magro, cabelos grisalhos. Passadas curtas e rápidas, muito rápidas. Quase sempre campeão na sua categoria. Quem acompanha corridas de rua logo vai perceber que se trata de Mário de Jesus Almeida, conhecido por Mukeira, na sua cidade, Mauá da Serra, no Vale do Ivaí. Por muitos anos foi saqueiro. No muque punha um saco de café ou cereal na cabeça e carregava, daí o apelido. Nascido em Pitangueiras, em 3 de outubro de 1952, mora em Mauá desde 1986.

Quem o vê correr pode imaginar que é um atleta que começou menino, mas não. Ele corre desde os 41 anos. Antes era sedentário, fumante e alcoólatra. Chegava a beber dois litros de cachaça por dia. Cigarro, consumia dois maços diários. Num dado momento, pensando na vida, descobriu que estava se destruindo. Se continuasse naquela rotina, logo morreria. Viu no esporte uma saída. Primeiro, o caratê, que praticou por alguns anos, mas encontrou a corrida e não parou mais.

Mukeira participa de diversas corridas pelo Brasil. Na sua categoria, ganhou mais de 800 troféus e em torno de cinco mil medalhas. Na sua casa, tem um quarto para acomodar a premiação. Vez ou outra, nas competições que oferecem dinheiro, ele fatura alguns trocados. “Mas minha maior vitória é o que superei para chegar até aqui”, comemora. Casado com Maria Almeida, é pai de seis filhos e avô de 13 netos.

Comemorar é preciso porque nada parece fácil para Mukeira. Um acidente lhe tirou a visão esquerda e o deixou com apenas 15% da direita. Para não tropeçar nas corridas, ele acompanha um atleta do seu mesmo ritmo, evitando cair nas lombadas. À noite, a dificuldade é maior, mas ele diz que o pior já passou e nada lhe tira o foco. “Me apego em Deus e busco sempre a superação, evitando reclamar dos percalços”, afirma.

Superação que se revela a cada corrida. Na Maratona de Curitiba, em 2019, ele concluiu os 42 quilômetros com 3 horas e 17 minutos; na Maratona Internacional de Foz do Iguaçu, no ano passado, correu em 3 horas e 32 minutos. Os 10 quilômetros, ele percorre em 42 minutos; os 5 quilômetros, em 21 minutos. As marcas o colocaram em segundo lugar no ranking brasileiro de sua categoria. “Mas estou me preparando para ser o primeiro e com fé em Deus e treinamentos vou conseguir”, diz.

Por dia, ele corre 20 quilômetros. Um amigo o acompanha de bicicleta por causa do problema de visão. Preparação que o deixou em condições de correr 26 maratonas pelo Brasil. A alimentação também ajuda. Mukeira consome carne magra, verduras e frutas. “Na medida do possível, mantenho o organismo em dia para se sobressair nas corridas e treinos”, diz, agradecendo seus patrocinadores, as farmácias Hiperfarma e Boa Saúde, de Mauá da Serra.

  Mukeira na Corrida 28 de Janeiro, de 2023, em Apucarana


quarta-feira, 23 de agosto de 2023

LITERATURA - A vitalidade de um escritor octogenário

 Antônio Torres nasceu no povoado do Junco, atual cidade de Sátiro Dias, na Bahia, em 13 de setembro de 1940. Menino, mudou-se para Alagoinhas para cursar o antigo ginásio. Mais tarde foi parar em Salvador, onde se tornou repórter do Jornal da Bahia. Aos 20 anos transferiu-se para São Paulo, ingressando-se no diário Última Hora. Lá, mudou de ramo e passou a trabalhar em publicidade. Viveu por três anos em Portugal e atualmente dedica-se à atividade literária.  Após viver no Rio de Janeiro por várias décadas, mora em Itaipava, distrito de Petrópolis (RJ). É casado com Sonia Torres, doutora em literatura comparada, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), e tem dois filhos, Gabriel e Tiago.

Eleito em 2013 para a cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras (assumiu em 2014), cujo patrono é José de Alencar. Em 1976, publicou Essa terra, um grande sucesso. Narrativa que aborda a questão do êxodo rural de nordestinos em busca de uma vida melhor nas grandes metrópoles do Sul, principalmente São Paulo. Recentemente reunida num só volume pela Editora Record com o título de Trilogia Brasil, e que representa “três tempos de um personagem catalisador da vida brasileira”, na definição do escritor paranaense Miguel Sanches Neto, reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Por e-mail, Torres respondeu, a seguir, as perguntas de Donizete Oliveira.

 Você passou pelo jornalismo e publicidade, como essas áreas o influenciaram na literatura?

O jornalismo me ensinou a ver o mundo. E a publicidade, a contar isso rapidinho. Acrescento que venho de um tempo em que faculdade de jornalismo era o berro do chefe de reportagem. O mesmo que, já no primeiro dia, ensinava a um inseguro foca à sua frente que para se fazer uma reportagem era preciso responder às seguintes perguntas: o quê, quem, como, quando, onde? Na publicidade, o aprendizado era o da arte da sedução e do poder da síntese. As duas experiências me deram régua e compasso. Mas sinto falta de uma formação universitária, sobretudo, na área das letras. Teria me dando um outro embasamento, com certeza.

Alguns dos seus livros trazem uma linguagem seca, quase real, do sofrimento de uma gente que vai do campo à cidade grande em busca de oportunidades e, muitas vezes, não a encontra. Você viveu essa realidade ou presenciou histórias semelhantes?   

Imagino que você esteja se referindo à trilogia formada pelos romances Essa Terra/ O cachorro e o lobo/ Pelo fundo da agulha, recentemente reunida num só volume pela Editora Record com o título de Trilogia Brasil, e que representa “três tempos de um personagem catalisador da vida brasileira”, na definição do escritor paranaense Miguel Sanches Neto (hoje reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa). Mas também sou o autor de uma tetralogia do Rio de Janeiro, constituída pelos romances Um táxi para Viena d’Áustria/ Meu Querido Canibal/ O nobre sequestrador, e mais uma longa crônica em torno da história daquela cidade, intitulada O Centro das nossas desatenções. Aliás, os meus dois primeiros romances, Um cão uivando para a Lua, de 1972, e Os homens dos pés redondos, de 1973, são urbaníssimos.

Assim como Querida Cidade (2021). E – por favor - não esqueça o contista de Meninos, eu conto, que já chegou à 15ª. edição. Não sou um sambista de uma nota só. Tenho passeado por personagens e cenários rurais, urbanos e históricos. À cada cena, a sua linguagem. Que pode ser seca ou lírica, conforme o momento pedir. Mas sim: conheço bem a realidade do ir e vir nacional, pois convivi por um longo tempo com os retirantes nordestinos em São Paulo, dos quais ouvi muitas histórias.

Li uma entrevista sua em que você diz que, aos 70 anos, já não tinha mais ambições como escritor, e hoje, após os 80, quais são as suas perspectivas literárias?

Felizmente, o romance Querida Cidade veio me desmentir. Foi o mais ambicioso de todos que escrevi. Tomou mais tempo que os outros (12 anos!) e resultou num volume alentado: 430 páginas. É o melhor de todos, pode conferir. No mais, tomara o velho escriba aqui venha a ter tempo e fôlego para novos voos. Eis aí a minha perspectiva.

Você vive onde, atualmente, e qual sua rotina literária, algum lançamento à vista?

Vivo em Itaipava, um distrito de Petrópolis – a Cidade Imperial – na região serrana fluminense. Hoje, tenho dividido o meu tempo entre a agenda da Academia Brasileira de Letras, à qual pertenço desde 2014, e as palestras pra lá e pra cá. Daqui a pouco vou voltar a Portugal, onde estive em fevereiro, por causa do lançamento lá de Querida Cidade. Enquanto isso, há um caderno de anotações, feitas durante a pandemia, pedindo-me para não esquecer delas. Nesse caderno tem história, com certeza.

Como você vê o mercado editorial brasileiro, novos autores, lançamentos, livros interessantes?

Se você prestar atenção nas listas dos mais vendidos, vai ver que elas são predominantemente dominadas pelos lançamentos estrangeiros, sobretudo os de ficção. O mais preocupante é o quadro dos livros infanto-juvenis. Aí chega-se, semana sim, outra também, ao predomínio completo, ou quase isso, do imaginário global. Quanto aos novos romancistas, são tantos e tão diversificados que não dá para acompanhar todos a um só tempo.

Dos que li, meus aplausos para a paraibana Marília Arnaud de Liturgia do fim, a mineira Eltânia André de Terra dividida, o carioca radicado em Porto Alegre Jeferson Tenório de O avesso da pele, o gaúcho Paulo Scott de Marrom e amarelo, os baianos Aleilton Fonseca (Nhô Guimarães), Luís Pimentel (Danação), Franklin Carvalho (Céus e Terra), Itamar Vieira Júnior, este um campeão de crítica e público, para muito além de nossas fronteiras, salve, salve! Fé nas teclas, gente boa.     

 Obras

Ei-las abaixo, algumas traduzidas para vários países

Um cão uivando para a lua – 1972

Os homens dos pés redondos – 1973

Essa terra – 1976

Carta ao bispo – 1979

Adeus, velho – 1981

Balada da infância perdida – 1986

Um táxi para Viena d’Áustria – 1991

O centro das nossas desatenções – 1996

O cachorro e o lobo – 1997

O circo no Brasil – 1998

Meninos, eu conto – 1999

Meu querido canibal – 2000

Essa Terra (edição comemorativa de 25 anos) – 2001

O Nobre Sequestrador –  2003

Pelo Fundo da Agulha – 2006

Minu, o gato azul – 2007 (história para crianças)

Sobre pessoas – 2007 (crônicas, perfis e memórias)

Do Palácio do Catete à venda de Josias Cardoso – crônica, 2007

Querida Cidade – 2021

Antônio Torres continua a produzir literatura da melhor qualidade (Foto: Guilherme Gonçalves)


segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Destino: Faxinalzinho...

 Antiga venda de secos e molhados, cujo dono confia nos fregueses e mantém a tradição do fiado, vira atração de distrito de Faxinal, no Vale do Ivaí

Texto e fotos Donizete Oliveira

O professor Donha, de Mandaguari, e o engenheiro agrônomo João Flávio, de Marialva, vez ou outra saem por aí a visitar lugares que muitos só conhecem pelo nome. Um distrito, uma igreja quase esquecida pelo tempo ou uma venda. Daquelas de balcões de madeira, que vendem de tudo. De açúcar, sal, café em pó, feijão e arroz a um remedinho corriqueiro para uma repentina dor de cabeça.

Algumas vezes, eu embarco junto. Conhecer mais um lugar escondido nas entranhas do tempo. Da última vez, fizemos um giro pelo Vale do Ivaí. Passamos por Apucarana, Rio Bom, pelo seu distrito de Nova Amoreira e chegamos ao seu outro distrito, Santo Antônio do Palmital. De lá seguimos rumo a Faxinalzinho, ou Nova Altamira, seu nome atual. Mas o pessoal parece gostar do nome antigo.

Distrito de Faxinal, a 120 quilômetros de Maringá e a 90 de Apucarana. A rua principal. Algumas casas. Uma antiga venda. De portas enormes. Balcão de madeira. A única por ali. O movimento não é grande, mas constante. Uma mulher compra uma caixa de sabão em pó. Outra um remédio para dor de cabeça. Um sujeito chega a cavalo e pede um litro de cachaça. Para beber em casa. “A gente vendia bebida alcoólica no balcão, mas paramos porque começou a dar problemas”, diz Roberson Moreira Rodrigues, 45.

Mas a regra não é tão rígida. O Donha pediu uma cerveja de latinha. O João Flávio acompanhou. Eu também. Consumimos ali. Afinal, somos visitantes. Ele abriu uma exceção. A venda era do sogro dele, que morreu há 17 anos. Desde então, Rodrigues a assumiu. “O movimento não é grande, mas dá para manter (o negócio)”, conta. A 15 quilômetros de Faxinal, é a única opção de comércio por lá.

 O fiado funciona. Rodrigues marca num caderninho. O freguês paga no dia combinado. A maioria trabalha na roça. Uns recebem por semana; outros, por mês. “De um modo geral, a gente vende na confiança e funciona”, diz. “Talvez porque eu conheça todo mundo, a maioria paga certinho”.

A venda dele é conhecida, inclusive, por pessoas de outras cidades que vão visitar as cachoeiras de Faxinal. Um turismo em alta por lá, pois o município tem dezenas delas espalhadas pela zona rural. “Nos fins de semana, eles vêm e param aqui para fazer lanche ou comprar alguma coisa”, afirma Rodrigues, terminando de arrumar uma compra para mais um freguês levar.

Um senhor falante. De cabelos lisos, camisa branca, calça jeans e botas azuis. Uniforme de trabalho. É empregado numa lavoura de tomate. Pede se podemos levá-lo com a compra até a casa dele. O motorista e dono do carro João Flávio concorda. Colocamos as mercadorias no bagageiro e fomos. Ele fala rápido. Embolado. Difícil entender.  Nem mesmo a pronúncia do nome. Entendi apenas o que ele insistia em dizer: “sou filho do Rubens”.

A uns três quilômetros dali chegamos à casa dele. Ao lado mora um casal que também trabalha na lavoura de tomate. A principal atividade rural por ali. Marli e Antônio plantam, pulverizam e colhem tomates. O senhor de fala ligeira e confusa, que continua a dizer que é filho do Rubens, acrescenta que tem internet em casa, se chama Mariano.

Rubens é patrão dele. “Às vezes, ele bebe umas cervejinhas a mais e exagera na fala, mas é gente boa”, diz Marli. Despedimos deles e seguimos pela estrada de terra. A beleza da paisagem distrai e ameniza um pouco o cheiro de inseticidas usados na plantação de tomate. Mauá da Serra, Marilândia do Sul, Leão do Norte, Califórnia, Apucarana, Cambira, Jandaia do Sul, Mandaguari, Marialva, Maringá. Outro dia tem mais...

Reberson continuou o trabalho do sogro na antiga venda no distrito de Faxinalzinho, no Vale do Ivaí

 




Ao chegar em casa, de carona, com as compras que trouxe da venda, a cachorra recepciona Mariano


                                                                        
Marli e Antônio ganham a vida trabalhando na lavoura de tomate, uma das principais atividades do município

                                                                    
Taperas de beira de estrada, algumas abandonadas, iguais a esta, enfeitam a paisagem na região