Pular para o conteúdo principal

Gorgó, a trágica morte de um boleiro que conquistou Apucarana

(Donizete Oliveira – jornalista e historiador) 
 

        Apucarana tem suas histórias. E são muitas. Um ótimo apanhado delas está no livro “Alma e história das ruas de Apucarana”, volumes 1 e 2. Do jornalista Fernando Klein. Cada rua, cada personagem e cada trajetória se transformam em um pedaço vivo da história da cidade. Por exemplo, esta do Gorgó, um crioulo simpático que, por acaso, se tornou apucaranense. O pouco tempo em que viveu na cidade, sua simplicidade conquistou amizades. A história começou em um jogo do Grêmio Esportivo e Recreativo Apucaranense (Gera). Uma equipe fantástica, cheia de craques. O adversário era o Água Verde, de Curitiba. A diretoria do Gera se encantou com o futebol daquele crioulo. O contratou para disputar algumas partidas pelo time local. Ele veio e foi ficando. Tinha mais um dom além da bola. Era cantor e exímio violonista. Também tocava atabaque e pandeiro.
     Naquele tempo, as rodinhas de cantoria eram comuns. De repente, se formava uma nos fins de tarde, e lá estava Gorgó rodeado de amigos. Com frequência, animava aniversários e festinhas. Ele, que se chamava Demétrio Moreira dos Santos, se acostumou com a rotina apucaranense. Conhecido em Curitiba, os jornais afirmavam que em breve ele voltaria à capital. Era um forte meio campista, marcador, mas chegava com velocidade ao ataque. Tanto que os jornais o apelidaram de “Chico Alegre”, em referência à sua facilidade em se movimentar entre os marcadores. Ele jogou importantes partidas pelo Gera. Numa delas, a equipe local venceu um combinado do Paraguai por 1 X 0. Com brilhante atuação de Gorgó. 
    Muitas cidades convidavam o Gera para amistosos. Em 3 de abril de 1960, Ivaiporã, no Vale do Ivaí, que ainda não era município e se chamava Sapecado, enfrentou a equipe apucaranense num jogo festivo. O confronto atraiu muita gente, como era praxe nos jogos de futebol. Um exemplo era o campo do Gera. Primeiro na Avenida Curitiba, onde está o Supermercado Amigão; em seguida, na Praça Rui Barbosa. Em ambos, os jogos reuniam multidões. O carinho da torcida fazia Gorgó se sentir em casa. Ele morou numa pensão até a diretoria da equipe lhe arrumar um quarto nos fundos de uma padaria no centro da ainda pequena Apucarana. 
     Mas seu fim chocou os apucaranenses e os amantes do futebol, no Paraná. Naquele jogo contra o Sapecado que mais tarde se chamaria Ivaiporã, a equipe pernoitou no local da partida para pegar a balsa na manhã seguinte. Não existia ponte sobre o Rio Ivaí. Contudo, se atrasaram e, ao chegar ao local, a balsa, que demorava a retornar, já estava no meio do rio. O calor estava sufocante. Para passar o tempo, alguns jogadores pularam na água. Gorgó ao pular sofreu uma queda, caiu no rio e morreu afogado.           Com poucos familiares, mas cercado de amigos, ele foi sepultado no Cemitério da Saudade, em Apucarana, que se chamava Cemitério Municipal. Ao caminhar pela rua Demétrio Moreira dos Santos, nominada em sua homenagem, lembre-se desta história. Outras semelhantes estão nos livros de Fernando Klein. Portanto, propícios para uma leitura. Seja você de Apucarana ou não. Vale a pena... 
 
Nas fotos: Gorgó e os livros de Fernando Klein (Reprodução: “Alma e história das ruas de Apucarana”)








Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ele queria um museu, mas a morte veio antes...

  Morte repentina de antigo morador de distrito de Apucarana, que colecionava mais de 30 mil objetos antigos,   e pretendia transformar casa em espaço para abrigá-los, revela incertezas sobre projeto (Donizete Oliveira: Texto e fotos)   Antônio Carlos mostra antigo cortador de tabuinhas, usadas antigamente para cobrir casas U ma sexta-feira de sol, céu límpido e um vento brando, que assoprava levemente as plantações à beira da estrada. Típico dia de inverno. Vanderlei conduz o carro que me leva até o distrito de Caixa de São Pedro, a 22 quilômetros de Apucarana. Disseram que lá existe um morador que coleciona objetos antigos. À primeira vista, imaginei alguém que juntasse algumas velharias. Aparelhos de rádio, televisão, toca-discos, despertador, panela de ferro ou algo parecido, que vez ou outra vemos por aí. Chegamos ao local indicado. O dono dos tais objetos se aproxima. Nos convida para ir à pracinha do distrito. Iria falar da história do local e, em seguida, nos leva...

O PÃO NOSSO DE CADA DIA...

  Padeiro que bateu e assou massa por mais de 50 anos lembra do tempo em que as carroças faziam filas à frente das padarias para levar pão e leite até a casa dos moradores, que pagavam ao dono do comércio no fim do mês Texto e foto Donizete Oliveira Acomodado numa cadeira, ele não arreda os olhos do jogo de sinuca. A cada tacada, uma bolinha vai; outra vem. Até a última cair. O vencedor grita e joga o taco sobre a mesa. Pausa. Uma cerveja. Conversa fora. Mais uma partida. Aquele senhor grisalho permanece vidrado nas tacadas. Quem ganha, quem perde? Não importa. Vale o passatempo. Dos jogadores e dele, que anos a fios trocou o dia pela noite para ganhar o pão e garantir o pão alheio. Aposentado, assiste aos amigos, em intermináveis disputas de sinuca. Num bar na rua Osvaldo Cruz, em Apucarana. A maioria que ali frequenta o conhece. É Antenor Rafael. “Debulhar o trigo/Recolher cada bago do trigo/Forjar no trigo o milagre do pão”. Os versos de Milton Nascimento e Chico Buarque, ...

O "VAMPIRO" NA JANELA, EU VI...

Após três e mais três batidas na janela descorada e corroída pelo tempo, de um antigo casarão de alvenaria, no Alto da Rua XV, em Curitiba,  um senhor de cabelos esbranquiçados e faces rubescidas abriu-a... (Texto e foto: Airton Donizete) “Em notícias policiais, frases no ar, bulas de remédio, pequenos anúncios, bilhetes de suicidas, o meu e o teu fantasma no sótão, confidências de amigos, leitura dos clássicos etc. O que não me contam, eu escuto atrás das portas. O que não sei, eu adivinho - e, com sorte, você advinha sempre o que, cedo ou tarde, acaba acontecendo”. Resposta do escritor Dalton Trevisan ao jornalista Araken Távora. Numa de suas raras entrevistas (talvez, única) publicada em 1968, na Revista Panorama. O jornalista lhe perguntara onde buscava o tema para seus contos? A entrevista está transcrita no excelente site de literatura “Tiro de Letra”. Resolvi seguir o conselho do próprio “Vampiro”. Assim o chamam. Estava eu em Curitiba num dia ensolarado. O...