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UM CABOCLO NA CIDADE

Alcino, chamado de “O cantor das estrelas”, trabalhou na roça e se mudou para Apucarana, onde  passou por diversos empregos, mas aos 57 anos conseguiu se dedicar ao seu dom, gravou cinco CDs e compôs mais de 50 músicas sertanejas

(Texto e foto Donizete Oliveira)

As ruas tranquilas de Miradouro, cidade mineira com pouco mais de dez mil habitantes, nas margens da BR-116, a conhecida Rio/Bahia, refletem o silêncio das montanhas que a cercam. Cenário perfeito para compor uma moda caipira, daquelas que narram a vida de um caboclo. Alcino José da Silva nasceu lá, mas veio criança com a família para o Paraná. Ele não pôde compor músicas apreciando as paisagens da cidade natal, mas inspirou-se na vida do interior, tornando-se compositor e cantor.

Apesar de bucólicos, seus versos, às vezes, são tristes. Retratam o árduo trabalho na roça, que nem sempre traz recompensa. “Os violeiros cantando falam do meu sertão/Não pude ser feliz, só tive decepção/Trabalhei muitos anos, não tive compensação/Nasci numa tapera sem nenhuma proteção”...versos de “Revolta de caboclo” que compôs. Uma espécie de lamento que descreve a dura vida na roça. “Na época em que eu nasci, na década de 1950, as coisas eram difíceis, e, no campo, os patrões nem sempre tratavam bem os empregados”, diz.

Por muitos anos, ele tocou lavouras de café com os pais e os nove irmãos, dos quais cinco estão vivos. Nascido em 27 de maio de 1951, chegou ao Paraná em 1962. Após morar alguns anos na roça, a família se mudou para a Vila Regina, um dos bairros mais antigos de Apucarana. Veio a adolescência e, na juventude, trabalhou de ensacador. Passou por outros trabalhos, mas não se esqueceu do dom pela música. Sonhava em um dia tocar violão e cantar.

Fã do Trio Parada Dura, Tonico e Tinoco e Tião Carreiro e Pardinho, tinha certeza de que a música seria seu ganha pão. Aos 57 anos, aquele dito “do sonho à realidade” aconteceu. Aprendeu a tocar violão e começou a cantar. Até que se apresentou numa churrascaria de Apucarana. Aquele friozinho na barriga o deixou nervoso, mas agradou ao público, que no final pediu bis. Dali em diante não parou mais e passou a sobreviver das apresentações que fazia a convite daqueles que o conheciam. Dos cinco CDS que gravou, calcula que vendeu mais de 8 mil e compôs ao menos 50 músicas.

        Mas nem tudo brilhou na carreira de Alcino José da Silva, que ganhou o nome artístico de “O cantor das estrelas”. Após firmar a carreira, uma depressão o tirou de cena. Ele teve de passar alguns meses numa clínica de repouso. Diz que o tratamento médico o curou, mas a fé em Deus foi fundamental. Católico fervoroso, é possível vê-lo entoando cânticos nas missas. Aposentado, às quartas-feiras, aos sábados e domingos, canta na Feira do Produtor de Apucarana, ao lado do Cemitério da Saudade. “O povo reconhece meu trabalho e me ajuda”, diz ele, que carrega um baldinho no braço do violão onde são colocadas as doações em dinheiro. Um autêntico caboclo na cidade. 




Alcino se apresenta toda semana na Feira do Produtor, ao lado cemitério Cristo Rei, em Apucarana
 

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