LITERATURA - A vitalidade de um escritor octogenário

 Antônio Torres nasceu no povoado do Junco, atual cidade de Sátiro Dias, na Bahia, em 13 de setembro de 1940. Menino, mudou-se para Alagoinhas para cursar o antigo ginásio. Mais tarde foi parar em Salvador, onde se tornou repórter do Jornal da Bahia. Aos 20 anos transferiu-se para São Paulo, ingressando-se no diário Última Hora. Lá, mudou de ramo e passou a trabalhar em publicidade. Viveu por três anos em Portugal e atualmente dedica-se à atividade literária.  Após viver no Rio de Janeiro por várias décadas, mora em Itaipava, distrito de Petrópolis (RJ). É casado com Sonia Torres, doutora em literatura comparada, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), e tem dois filhos, Gabriel e Tiago.

Eleito em 2013 para a cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras (assumiu em 2014), cujo patrono é José de Alencar. Em 1976, publicou Essa terra, um grande sucesso. Narrativa que aborda a questão do êxodo rural de nordestinos em busca de uma vida melhor nas grandes metrópoles do Sul, principalmente São Paulo. Recentemente reunida num só volume pela Editora Record com o título de Trilogia Brasil, e que representa “três tempos de um personagem catalisador da vida brasileira”, na definição do escritor paranaense Miguel Sanches Neto, reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Por e-mail, Torres respondeu, a seguir, as perguntas de Donizete Oliveira.

 Você passou pelo jornalismo e publicidade, como essas áreas o influenciaram na literatura?

O jornalismo me ensinou a ver o mundo. E a publicidade, a contar isso rapidinho. Acrescento que venho de um tempo em que faculdade de jornalismo era o berro do chefe de reportagem. O mesmo que, já no primeiro dia, ensinava a um inseguro foca à sua frente que para se fazer uma reportagem era preciso responder às seguintes perguntas: o quê, quem, como, quando, onde? Na publicidade, o aprendizado era o da arte da sedução e do poder da síntese. As duas experiências me deram régua e compasso. Mas sinto falta de uma formação universitária, sobretudo, na área das letras. Teria me dando um outro embasamento, com certeza.

Alguns dos seus livros trazem uma linguagem seca, quase real, do sofrimento de uma gente que vai do campo à cidade grande em busca de oportunidades e, muitas vezes, não a encontra. Você viveu essa realidade ou presenciou histórias semelhantes?   

Imagino que você esteja se referindo à trilogia formada pelos romances Essa Terra/ O cachorro e o lobo/ Pelo fundo da agulha, recentemente reunida num só volume pela Editora Record com o título de Trilogia Brasil, e que representa “três tempos de um personagem catalisador da vida brasileira”, na definição do escritor paranaense Miguel Sanches Neto (hoje reitor da Universidade Estadual de Ponta Grossa). Mas também sou o autor de uma tetralogia do Rio de Janeiro, constituída pelos romances Um táxi para Viena d’Áustria/ Meu Querido Canibal/ O nobre sequestrador, e mais uma longa crônica em torno da história daquela cidade, intitulada O Centro das nossas desatenções. Aliás, os meus dois primeiros romances, Um cão uivando para a Lua, de 1972, e Os homens dos pés redondos, de 1973, são urbaníssimos.

Assim como Querida Cidade (2021). E – por favor - não esqueça o contista de Meninos, eu conto, que já chegou à 15ª. edição. Não sou um sambista de uma nota só. Tenho passeado por personagens e cenários rurais, urbanos e históricos. À cada cena, a sua linguagem. Que pode ser seca ou lírica, conforme o momento pedir. Mas sim: conheço bem a realidade do ir e vir nacional, pois convivi por um longo tempo com os retirantes nordestinos em São Paulo, dos quais ouvi muitas histórias.

Li uma entrevista sua em que você diz que, aos 70 anos, já não tinha mais ambições como escritor, e hoje, após os 80, quais são as suas perspectivas literárias?

Felizmente, o romance Querida Cidade veio me desmentir. Foi o mais ambicioso de todos que escrevi. Tomou mais tempo que os outros (12 anos!) e resultou num volume alentado: 430 páginas. É o melhor de todos, pode conferir. No mais, tomara o velho escriba aqui venha a ter tempo e fôlego para novos voos. Eis aí a minha perspectiva.

Você vive onde, atualmente, e qual sua rotina literária, algum lançamento à vista?

Vivo em Itaipava, um distrito de Petrópolis – a Cidade Imperial – na região serrana fluminense. Hoje, tenho dividido o meu tempo entre a agenda da Academia Brasileira de Letras, à qual pertenço desde 2014, e as palestras pra lá e pra cá. Daqui a pouco vou voltar a Portugal, onde estive em fevereiro, por causa do lançamento lá de Querida Cidade. Enquanto isso, há um caderno de anotações, feitas durante a pandemia, pedindo-me para não esquecer delas. Nesse caderno tem história, com certeza.

Como você vê o mercado editorial brasileiro, novos autores, lançamentos, livros interessantes?

Se você prestar atenção nas listas dos mais vendidos, vai ver que elas são predominantemente dominadas pelos lançamentos estrangeiros, sobretudo os de ficção. O mais preocupante é o quadro dos livros infanto-juvenis. Aí chega-se, semana sim, outra também, ao predomínio completo, ou quase isso, do imaginário global. Quanto aos novos romancistas, são tantos e tão diversificados que não dá para acompanhar todos a um só tempo.

Dos que li, meus aplausos para a paraibana Marília Arnaud de Liturgia do fim, a mineira Eltânia André de Terra dividida, o carioca radicado em Porto Alegre Jeferson Tenório de O avesso da pele, o gaúcho Paulo Scott de Marrom e amarelo, os baianos Aleilton Fonseca (Nhô Guimarães), Luís Pimentel (Danação), Franklin Carvalho (Céus e Terra), Itamar Vieira Júnior, este um campeão de crítica e público, para muito além de nossas fronteiras, salve, salve! Fé nas teclas, gente boa.     

 Obras

Ei-las abaixo, algumas traduzidas para vários países

Um cão uivando para a lua – 1972

Os homens dos pés redondos – 1973

Essa terra – 1976

Carta ao bispo – 1979

Adeus, velho – 1981

Balada da infância perdida – 1986

Um táxi para Viena d’Áustria – 1991

O centro das nossas desatenções – 1996

O cachorro e o lobo – 1997

O circo no Brasil – 1998

Meninos, eu conto – 1999

Meu querido canibal – 2000

Essa Terra (edição comemorativa de 25 anos) – 2001

O Nobre Sequestrador –  2003

Pelo Fundo da Agulha – 2006

Minu, o gato azul – 2007 (história para crianças)

Sobre pessoas – 2007 (crônicas, perfis e memórias)

Do Palácio do Catete à venda de Josias Cardoso – crônica, 2007

Querida Cidade – 2021

Antônio Torres continua a produzir literatura da melhor qualidade (Foto: Guilherme Gonçalves)


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