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VIAGEM - MORE EM CUBA


 Descendente de japonês, apaixonado por cinema e colecionador de filme se impressionou com a cultura e o comportamento das pessoas da ilha caribenha, que visitou a serviço da Cinemateca do Rio de Janeiro, onde trabalhou por dez anos

Texto e foto Airton Donizete

Desta vez não pude ver Toddy e Lili, os gatos que passeiam, com o rabo levantado, pela casa do More. O bate-papo foi num boteco no centro de Maringá.  Cinema não era o assunto principal, mas tinha a ver com a prosa. More falou de uma viagem que fez a Cuba, em 1985. Na época, era funcionário da Cinemateca do Rio de Janeiro, onde trabalhou por dez anos. Recebeu uma incumbência de visitar países da América Central e do Sul para conhecer experiências de preservação da produção audiovisual.
Morimassa Myiazato, conhecido por More, é um descendente de japonês apaixonado por cinema. Mas não é só. A vida dele, como já disseram, daria um filme, tamanha suas histórias. No apartamento onde vive em Maringá dispõe de mais de três mil títulos de filmes. Com 71 anos, nascido em Pompéia (SP), morou no Japão, Rio de Janeiro e, entre idas e vindas, vive em Maringá. Em 1978, realizou a “1ª Mostra de Cinema de Maringá”. Evento que trouxe importantes nomes do cinema nacional à cidade.
Bem, mas vamos à viagem a Cuba. A exemplo de sua atuação em outras áreas culturais, pelos menos até a visita do More, a ilha caribenha dispunha de um grande acervo cinematográfico e de sólida formação de atores em uma concorrida escola de cinema. A recepção do povo cubano o encantou desde a chegada ao Aeroporto Internacional José Martí, em Havana. More se impressionou tanto com a cidade que se esqueceu de ir às sessões de cinema no Cine Charles Chaplin, em Havana.
Um passeio por Havana Velha, com seus casarões coloniais o deixou de cabeça erguida. Não conseguia baixá-la. Observava ininterruptamente as fachadas antigas. Declarada Patrimônio Histórico pela Unesco, é o centro histórico da cidade.
 - É um lugar pra você dobrar o mapa local, dispensar o guia e se deixar levar pelas ruas, que vão formando um cenário cada vez mais nostálgico e interessante -, descreve More.
Das fachadas imponentes para a medicina.  Ele a conheceu, e aprovou. No Rio de Janeiro, sofrera um acidente. Um painel caiu-lhe sobre o braço, cortando-o. O tratamento lhe provocou calombos e coceiras pelo corpo. Ele aproveitou a viagem a Cuba para tratar o problema. No hospital, lhe disseram que era alergia provocada por excesso de antibióticos. O tratamento, que o curou em oito meses, o fez perceber que a medicina cubana é parecida com a japonesa.
- No Japão, o médico atende a gente de maneira amistosa, conversa, pergunta e só receita algum medicamento quando tem certeza do diagnóstico -, afirma ele, que morou por mais de quatro anos naquele país.
Outra coisa que o agradou em Cuba é ausência de consumismo. Nos restaurantes, os cardápios não têm mais que quatro opções. Uma delas é o que chamam de “Pollo”, frango frito, um prato bastante pedido. Havia uma fila imensa para apreciar a iguaria. Ele encantou-se também com a famosa sorveteria de Havana, a “Heladería Coppelia”. As opções de sabores são poucas, mas o atendimento é caloroso. O local vive cheio de turistas, que não perdem oportunidade de experimentar o sorvete cubano. More não é fã do comunismo, mas é adepto do consumo cauteloso.  
- Pra que supérfluo? Precisamos apenas do necessário pra viver. Seja no comunismo ou no capitalismo.
Em Cuba, ele queria encontrar a bailarina Alicia Alonso, ícone do ballet mundial. Mas na mesma ocasião ela se apresentava no Brasil. A ausência de Alicia não o decepcionou. Um dia More se preparava para dormir, no hotel, alguns cubanos apareceram e o convidaram para uma recepção. Eles o levaram a uma reunião com alguns membros do governo cubano. Ao chegar, notou que uma vitrola tocava Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros artistas da MPB. Ele se sentiu em casa. Naquela época, não bebia álcool e não pôde degustar o autêntico rum cubano.
De madrugada, eles o levaram para conhecer alguns pontos de Havana. Estiveram até numa área proibida comandada pelo exército onde havia carcaças de armas da antiga União Soviética. Trouxeram-no de volta ao hotel. A saudade dos filhos pequenos o perturbava, e More resolveu voltar ao Brasil. Desistiu de conhecer outras cinematecas de países da América Central e Sul, que estavam em seu roteiro. Mas a de Cuba valeu a viagem.
- O tratamento que eles dão à cultura e à arte é impressionante. A cinemateca cubana foi uma das mais organizadas que conheci -, ressalta.
No dia seguinte a esta entrevista morreu Fidel Castro. Amado e odiado, o líder cubano deixou um legado que impressionou até mesmo um descendente de japonês, cujos ideais passam longe do comunismo que impera por décadas na ilha caribenha.

Fotos:
More no seu acervo com mais de três mil filmes, na sua casa, em Maringá e, abaixo, o crachá que usou na sua visita a Cuba








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