O "VAMPIRO" NA JANELA, EU VI...
Após três e mais três batidas na janela descorada e corroída pelo tempo, de um antigo casarão
de alvenaria, no Alto da Rua XV, em Curitiba, um senhor de
cabelos esbranquiçados e faces rubescidas abriu-a...
(Texto e foto: Airton Donizete)
“Em
notícias policiais, frases no ar, bulas de remédio, pequenos anúncios, bilhetes
de suicidas, o meu e o teu fantasma no sótão, confidências de amigos, leitura
dos clássicos etc. O que não me contam, eu escuto atrás das portas. O que não
sei, eu adivinho - e, com sorte, você advinha sempre o que, cedo ou tarde,
acaba acontecendo”.
Resposta
do escritor Dalton Trevisan ao jornalista Araken Távora. Numa de suas raras
entrevistas (talvez, única) publicada em 1968, na Revista Panorama. O
jornalista lhe perguntara onde buscava o tema para seus contos? A entrevista
está transcrita no excelente site de literatura “Tiro de Letra”.
Resolvi
seguir o conselho do próprio “Vampiro”. Assim o chamam. Estava eu em Curitiba
num dia ensolarado. Oposto aos hábitos de um vampiro. Uma quinta-feira de julho de 2016. Inverno
seco. Manhã fria; tarde de mormaço, mas logo o frio voltaria. Encontrei meu
amigo Orlando Lisboa de Almeida.
Que
me levaria até a casa do “Vampiro”, no bairro Alto da Rua XV. Cortamos o centro
a pé. Subimos pela rua Amintas de Barros. Na esquina com a rua Ubaldino do
Amaral, número 487, avistamos o antigo casarão de alvenaria. Com sótão.
Características dos descendentes de europeus que povoaram aquele
bairro.
Era pouco mais de 17 horas. Esperei a
pausa do semáforo. Fotografei. O jornalista nunca deve ceder às artimanhas do
entrevistado. Tinha certeza de que o “Vampiro” não me receberia. Mas levei um
exemplar de “O vampiro de Curitiba” na esperança de ele autografar. Aproximei-me
de um dos janelões, que dão para rua. Bati uma, duas, três vezes. Dei uma
pausa. Mais três batidas...
De repente, a janela se abriu. Surge um senhor de cabelos curtos, lisos e esbranquiçados. Óculos
discretos. Faces ruborescidas. Dizem que é tímido. Imagino
que a característica da pele era por causa do frio mesmo. Disse que era de Maringá e viera a Curitiba
trazer um livro para ele autografar. Desculpou-se, dizendo que não estava mais
autografando. Insisti. “Poxa vida, vim de tão longe!” “Lamento, mas parei
com os autógrafos”, repetiu.
Por alguns segundos, pairou um silêncio
entre nós. Meio sem saber o que diria, tasquei: “Então, me dê um livro seu. Quero
uma lembrança, pelo menos”. “Pois, não!” Abaixou-se e pegou dois exemplares.
“Você pediu um e eu te dou dois”. Ambos da editora L&M Pocket: “A
gorda do Tiki Bar” e “Frufru Rataplã Dolores”. Obrigado! Agradeci. Ele
retribuiu e fechou a descorada e corroída janela. Ouvi um barulho de cachorro
correndo pela casa.
Escondi a câmera debaixo da camisa. Arredio a fotos, se a visse talvez fechasse a janela. Ao abri-la me varreu da cabeça aos pés, com um olhar desconfiado. Suponho que precavido a celulares, câmeras ou
qualquer apetrecho que pudesse filmá-lo ou fotografá-lo.
Não saí de lá realizado porque queria um autógrafo. Mas me dei por satisfeito. Ao menos o vi. Agradeço ao Orlando. Que me levou ao Alto
da Rua XV e possibilitou o inusitado encontro.
O conselho valeu: “O que não me contam, eu escuto atrás das
portas”. O diálogo com o “Vampiro”, na janela, demorou exatos 52 segundos. Cronometrados. O Orlando por testemunha. Assim não preciso dizer “Somente Deus por testemunha”. Um dos filmes sobre a trágica história
do Titanic. De naufrágios basta o lendário navio. Minhas entrevistas, não.
FOTOS - SEQUÊNCIA
O
antigo casarão de Dalton Trevisan, no Alto da Rua XV, em Curitiba
Dalton
Trevisan retratado pelo artista Carlos Dala Stella
O “Vampiro” em foto de Júlio Covello
Quem é Dalton Trevisan
Dalton Jérson Trevisan nasceu em Curitiba, em 14 de junho de 1925.
Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito do Paraná. Exerceu a advocacia
durante sete anos, mas abandonou a atividade para trabalhar na fábrica de
cerâmicas da família. Estreou na literatura com a novela “Sonata ao Luar”
(1945). Em 1946, liderou em Curitiba o grupo literário que publicava a revista
literária “Joaquim”, tornando-se porta voz de vários escritores. Publicou na
revista seu segundo livro "Sete Anos de Pastor" (1946).
Ao longo de alguns anos produziu textos sem publicá-los. Em 1950 passou
seis meses na Europa. A partir de 1954, publicava seus contos em forma de
folhetos, à moda da literatura de cordel, onde registrava o cotidiano da
metrópole curitibana. Publicou "Guia Histórico de Curitiba" e
"Crônicas da Província de Curitiba".
Trevisan ganhou repercussão nacional a partir de 1959, com a publicação
de "Novelas Nada Exemplares" (1959), que reunia quase duas décadas de
produção literária. Recebeu pela obra, o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do
Livro. Em seguida publicou “Cemitério dos Elefantes” (1964), “O Vampiro de
Curitiba” (1965), “A Morte na Praça” (1965) e “Desastres do Amor” (1968). Nesse
mesmo ano recebeu o maior prêmio literário do Brasil, no I Concurso Nacional de
Contos, promovido pelo Estado do Paraná.
Dedicado ao conto, só teve um romance publicado "A Polaquinha"
(1985). Em 1996 recebeu o Prêmio Ministério da Cultura de Literatura, pelo
conjunto de sua obra. Em 2003 dividiu com Bernardo de Carvalho o I Prêmio
Portugal Telecom de Literatura Brasileira, com o livro "Pico na
Veia".
Ele venceu a 24ª edição do Prêmio Camões de 2012. Foi eleito por
unanimidade pelo júri, pelo conjunto da obra. O Prêmio Camões é uma das maiores
honrarias para autores da língua portuguesa. É uma parceria entre os governos
do Brasil e de Portugal, e a cada ano acontece em um dos dois países.
Publicou também "A Guerra Conjugal" (1970), "Crimes da
Paixão" (1978), "Ah, É" (1994), "O Maníaco do Olho
Verde" (2008), "Violetas e Pavões" (2009),
"Desgracida" (2010), "O Anão e a Ninfeta" (2011), entre
outras. É considerado o maior contista brasileiro contemporâneo. A publicação
do seu livro "O Vampiro de Curitiba" (1965) lhe valeu o apelido, por
causa de seu temperamento recluso.
(Transcrito do site Biografia - https://www.ebiografia.com/dalton_trevisan/)
Um dos últimos grandes da literatura brasileira. Leitura fascinante.
ResponderExcluirObrigado.
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