81 anos, baixinho, simpático
e simples, assim é José Mujica, o Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, que
passou como um furacão por Curitiba, onde fez uma palestra e falou de questões
que afligem o Brasil e o mundo atual
Texto e fotos Airton
Donizete
Ir
a Curitiba assim, de chofre! Pensei. Mas era uma causa especial. Mujica estaria
lá. Sim, José Mujica, o Pepe Mujica, aquele ex-presidente do Uruguai, que
dispensou a moradia oficial e ia trabalhar de fusquinha. Seria minha chance de entrevistá-lo.
No momento, não posso ir ao Uruguai, e ele está com 81 anos. Poderia não haver
outra ocasião.
Então,
falei com meu amigo Ênio Ferreira Lopes, que sempre está viajando para vender
seus produtos. Na capital do Estado estão vários de seus clientes. Enquanto ele
vende, eu vou ao evento de Mujica. De pronto, ele topou. Saímos de Maringá à
tarde.
No
outro dia, pela manhã, Mujica participaria do Seminário Democracia na América
Latina. Na estrada, tudo tranquilo, tirando os trechos ainda não duplicados da
BR-376, onde as filas de caminhões quebram o ritmo da viagem. Mas com paciência
se vai ao longe. Na boca da noite, chegamos a Curitiba. Hotel e, no outro dia
cedo, saímos.
Ênio
foi atrás de suas vendas. Eu fiquei no Ginásio de Esportes do Circulo Militar.
Ali seria a palestra de Mujica. Que foi concorrida. No primeiro dia de
inscrição, sete mil se inscreveram. O evento que seria no salão da
APP-Sindicato foi transferido para o Ginásio de Esportes do Circulo Militar. Em
torno de mil lotaram o recinto. Eu me encontrei com amigo Orlando Lisboa
Almeida, que também participou do evento.
Ginásio
lotado. Imprensa, convidados e autoridades se acomodaram na frente
do palco. A maioria estudantes. Que aguardavam ansiosos por Mujica. Por volta
das 9 horas, ele chegou. Ao adentrar ao ginásio foi aplaudido de pé. Sentou-se
ao lado da mulher, a senadora Lúcia Topolansky, 70. Vez ou outra alguém
driblava os seguranças e ia abraçar Mujica. Ele sorria, dava autógrafo e posava
para fotos, como se nada acontecesse.
Aberto
o evento, (organizado pelo Laboratório de Culturas Digitais, projeto do Setor
de Educação da UFPR), o convidaram para subir ao palco. Participaram da mesa, com
Mujica, a integrante da Rede de Mulheres Negras do Paraná e Secretária de
Direitos Humanos da ABGLT, Heliana Hemeterio dos Santos; o doutor em História
pela FFLCH-USP, Gilberto Maringoni; a mestre em Educação pela UFPR e professora
da Universidade Federal da Integração Latino Americana (UNILA), Lívia Morales e
a pesquisadora na área de políticas educacionais e movimentos sociais da UFPR,
Andrea Caldas.
Todos
falaram. Mas a atenção se voltava para Mujica. Tanto que Maringoni brincou.
- Vou
ser breve porque me sinto como aquela banda de rock que vai fazer o show antes
dos The Rolling Stones. Todo mundo quer ver o show principal e não os coadjuvantes.
Aqui todos querem ver o Mujica.
Maringoni
bateu pesado na política de Estado mínimo proposta pelo governo interino de
Michel Temer.
- É o
livre mercado e ele só tem uma alternativa: o ajuste fiscal e reduzir direitos
sociais. Não tem saída porque estamos sem dinheiro, disse ele, reproduzindo o
discurso majoritário do atual Governo Federal.
Hemeterio
questionou a efetividade da construção democrática em um país no qual, a cada
23 minutos, um jovem negro é morto.
- A
democracia latino-americana não inclui o povo negro. Não podemos falar de
democracia a partir do nosso umbigo, sem incluir as mulheres negras, as
mulheres lésbicas, as mulheres pobres.
Livia
Morales destacou a necessidade dos valores e respeito às diversidades.
- A
política é o lugar da diferença. Quem gosta de tudo igual ao mesmo tempo é
fascista. Precisamos aprender a lidar com as diferenças, conversar com as
pessoas.
Entrecortado
por gritos de “fora Temer” e fora “Beto Richa”, Mujica falou por 40 minutos. Agradeceu
ao convite e disse que é sempre um prazer falar aos brasileiros. Segundo ele, a
democracia está em risco no mundo por causa de duas questões centrais: a
concentração da riqueza nas mãos de poucos e a crescente desigualdade na terra.
- Nunca
o homem teve tantos recursos e meios científicos e técnicos para erradicar a
fome e a miséria dos povos.
Para
ele, o grande problema não é ecológico, mas político.
- Temos
80 senhores que possuem o mesmo que outros três bilhões de habitantes.
O
ex-presidente afirmou que, antes de tudo, é preciso mudar a cultura.
- Sem
mudar a cultura não muda nada.
Mujica entende cultura como uma mentalidade de
vida. Deixar o consumismo de lado, promovendo principalmente a vida e a
felicidade humana como centro da sociedade. Para o ex-presidente, o crescimento
econômico só se justifica se ocorrer para o desenvolvimento da felicidade
humana.
- Fomos
transformados em uma máquina de consumismo. A acumulação capitalista necessita
que compremos, compremos e gastemos e gastemos. Vendem mentiras até que te
tiram o último dinheiro. Essa é a nossa cultura e a única saída é a
contracultura.
Ele
destacou que é preciso pensar outro modelo de democracia.
- A
democracia do futuro não pode ser a democracia de gente sob medida, de
campanhas e propaganda para satisfação do mercado. Aquela vende um candidato
político como se fosse pasta de dente. Se a política é isso estamos fritos.
Fim
do discurso. Aplaudido e ovacionado de pé. Ao sair do palco uma multidão tenta
se aproximar dele. Os educados seguranças não conseguem conter tanta gente. Um
autógrafo, uma foto. Mujica faz o possível para atender a todos, mas é
impossível. Muita gente. Na rua próxima do ginásio, motoristas param para
saudá-lo.
Quem
participou da palestra, saiu satisfeito.
- Foi
um evento importante. O discurso de Pepe mistura filosofia e questões práticas
do dia a dia, o que faz dele um personagem singular. Gostei muito da palestra.
Está de parabéns a organização, Ricardo Michael Pinheiro Silveira, 25,
professor, Curitiba.
- O
presidente interino do Brasil poderia ouvir esse tipo de discurso. É do que
precisamos. Pepe fala aquilo que o mundo precisa ouvir. Gostei muito da
palestra dele. Valeu a pena ter deixado outros compromissos e estar aqui, Haline
Ubeda, 31, professora, Curitiba.
-
Pepe é um símbolo da esquerda. Tudo o que ele falou aqui vem ao encontro do que
vivemos hoje no Brasil. Estamos vivendo uma crise política. É importante esse
debate. Quem veio, certamente, saiu daqui mais fortalecido para enfrentar esse
embate em que vivemos, Karen Correa Alves, 21, estudante, Curitiba.
(Colaboração: Instituto Humanitas Unisinos)
Quem é Mujica
O
senador José Alberto Mujica Cordano é descendente de bascos, cuja origem é a
cidade de Múgica, que chegaram ao Uruguai em 1840. Filho de Demétrio Mujica
Terra e Lucy Cordano, nasceu em 20 de maio de 1935, no bairro Paso de la Arena,
em Montevidéu.
A
família de sua mãe era composta por imigrantes italianos. Seu sobrenome
Cordano, de seu avô Antônio, é originário da província de Gênova, a mesma
região de onde veio a família Giorello, de sua avó Paula.
Seu
pai era um pequeno agricultor que foi à falência pouco antes de sua morte, em
1940, quando Mujica tinha seis anos. Mujica recebeu educação primária e
secundária na escola pública do bairro onde nasceu.
É
ateu e casado desde os anos 1970 com a também ex-militante Lucía Topolansky. Presidente
do Uruguai, Mujica recebia 230 mil pesos (cerca de R$ 22.122) mensais, doando
quase 70% para o seu partido, a Frente Ampla, e também a um fundo para
construção de moradias.
Mora
em uma chácara em Rincón del Cerro, zona rural de Montevidéu, onde cultiva
flores e hortaliças. Para ele, o restante que sobrava do seu salário (30 mil
pesos mensais, cerca de R$ 2.800) era suficiente para sua sobrevivência.
O
ex-presidente teve importante papel no combate à ditadura civil-militar no
Uruguai (1973-1985). Na guerrilha, coparticipou de assaltos, sequestros e do
episódio conhecido como Tomada de Pando.
Ocorrido em 8 de outubro de 1969, quando os tupamaros tomaram a
delegacia de polícia, o quartel do corpo de bombeiros, a central telefônica e
vários bancos da cidade de Pando, situada a 32 quilômetros de Montevidéu.
Mujica passou 14 anos na prisão, de onde só
saiu no final da ditadura, em 1985. Presidente do Uruguai (2010/2015), ele foi
também deputado, ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca. (Fonte: Wikipédia)
FOTOS (sequência)
Mujica falou por cerca de 40 minutos e,
ao final, foi aplaudido de pé
O assédio a Mujica foi constante em
Curitiba
O público lutou o Ginásio do Circulo
Militar para ouvi-lo
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