Moradores de rua de São
Paulo e Maringá revelam histórias angustiantes e contam como enfrentam o desafio
de dormir ao relento e andar sem destino pelas cidades
(Texto e fotos Airton
Donizete)
Maringá
também tem moradores de rua. Um deles é Paulo Luís do Prado, conhecido por Zé
Mochila (foto acima). Estava eu o radialista Rogério Rico numa padaria, na Avenida Herval,
ele se aproximou. Rico que o entrevistara em seus programas de rádio, o
apresentou a mim. Nascido em Floriano, distrito de Maringá, ele não sabe
precisar quanto tempo vive nas ruas, mas deixou a família com 17 anos.
Com
56 anos, Prado diz que uma igreja evangélica lhe causou uma decepção e o fez
desanimar da vida. Por algum tempo ficou internado num hospital psiquiátrico.
Com dois irmãos em Sarandi e um em Cascavel, ele diz viver de pequenos bicos e do
Bolsa Família, auxílio do governo federal que lhe rende R$ 85,00 por mês. Diz
não consumir bebida alcoólica e cigarro, o que lhe permite economizar e guardar
uns trocados na poupança.
A
mãe dele ficou viúva três vezes. O primeiro marido, pai dele, se matou nas
margens do córrego Taquaruçu, em Floresta, onde sua família morava. Ele carregou
uma espingarda cartucheira, amarrando um barbante no gatilho e no dedo do pé.
Encostou o cano no ouvido e disparou a arma, morrendo no local.
-
Eu tinha um ano e só lembro que nossa casa ficou cheia de gente para o velório
e eu engatinhando debaixo do caixão do meu pai – conta.
Prado
permanece em Maringá, mas de vez em quando viaja pelo Brasil. Conhece Rio
Grande do Sul, Espírito Santo, Rio de Janeiro e até a Argentina. A rua lhe é
familiar, mas também lhe traz dissabores. Assaltaram-no quatro vezes. A
experiência o levou a tomar cuidado ao escolher um local para dormir.
Ele
evita permanecer ao relento, desprotegido. Se não conseguir pernoitar em
albergues ou outros lugares de acolhimento, procura marquises de postos de
combustível e borracharias. Diz que nesses locais se sente mais seguro, pois
está próximo de gente.
Solteiro,
ele quer se casar. Diz que até os 60 anos encontrará a mulher “da sua vida”.
Antes, quer fazer uma cirurgia para extrair uma hérnia na virilha que lhe
incomoda e uma verruga no rosto. Outro sonho é ser pastor evangélico, apesar da
decepção religiosa que sofreu e sobre a qual prefere não comentar.
-
Eu tenho o dom do Espírito Santo. Agora sinto um calor no corpo. É o Espírito
Santo se manifestando – afirma ele no momento da entrevista. Leitor da Bíblia e
de gibis, Prado diz também gostar de música. Amado Batista e Roberto Carlos são
seus cantores prediletos.
Um
hábito dele é falar de gastronomia. Durante esta entrevista, ele citou algumas
receitas. Por exemplo: bater leite com ovo e trigo misturado ao polvilho de
mandioca resulta num delicioso bolo. Para ele, preparar tempero é fácil. Basta
misturar alho, shoyu, vinagre, sal e pimenta do reino ou cebola. Se o interlocutor
tiver paciência de ouvir é uma dica gastronômica atrás da outra.
"REINSERÇÃO SOCIAL É A SAÍDA", DIZ PROFESSORA
A
professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de
Maringá (UEM), Ana Lúcia Rodrigues, 55 (foto abaixo), e coordenadora do Programa de Mestrado
em Políticas Públicas, da mesma instituição, e do Observatório das Metrópoles,
Núcleo da UEM, diz que os moradores de rua de Maringá estão desprotegidos e a
melhor maneira de amenizar o problema é a reinserção social. Entrevista a
seguir.
Como
está a situação dos moradores de rua em Maringá?
Desprotegidos
e desassistidos pela assistência social, considerando que há uma política
nacional para a população em situação de rua, aprovada pelo decreto número
7053/2009 do Ministério de Desenvolvimento Social. Pela qual, diversos projetos
e recursos são disponibilizados aos municípios.
Em
Maringá, são três projetos nacionais implantados: o Centro POP Rua, que atende
durante o dia com serviços especializados que reúnem equipe de psicólogos,
assistentes sociais, educadores sociais, pessoal de abordagem, entre outros.
São oferecidas diversas atividades no local, como higiene, alimentação, contato
com familiares, busca de reinserção, orientações e encaminhamentos para
serviços públicos.
A
Casa de Passagem (antigo Albergue), lugar para dormir que já abrigou mais de
100 pessoas por noite atualmente atende apenas 30. Há ainda o Portal da
Inclusão, onde as pessoas ficam durante um ano, morando em uma casa alugada
pela Prefeitura, atendidos por equipe técnica, para serem reinseridas no
mercado de trabalho e na sociedade.
Também
este projeto poderia incluir mais de 100 pessoas, mas Maringá optou por abrigar
apenas dez. É muito pouca gente nessa situação na cidade, o que permite ao
poder público enfrentar o problema e dar repostas eficientes. Não será com a
repressão, a violência ou a velha prática da passagem para irem embora que a
questão será resolvida.
Frequentemente
se ouve dizer que moradores de rua é um problema complexo. Qual é a solução
para ele?
É complexo,
sim, pois as pessoas nessa condição reúnem um conjunto de vulnerabilidades. São
pobres e, a maioria, desempregada; dependentes químicos; muitos têm problemas
graves de saúde. Mas por meio de investimento público é possível responder às dificuldades
que elas enfrentam.
Também
é necessário ampliar vagas nos espaços públicos de atendimento; criar lavanderias
coletivas em alguns pontos da cidade, onde eles próprios possam lavar e secar
suas roupas; instalar geladeiras nas calçadas em que possam depositar alimentos
para que eles consumam; construir pequenas estruturas cobertas e abertas, nas
praças públicas, com bancos e ganchos para dependurar redes, entre outras
medidas. Todas as estruturas com manutenção e limpeza públicas.
Mas
a melhor politica é a reinserção social, pois nas duas pesquisas que realizamos
em Maringá, em 2015 e 2016, 92,5% e 93,3% disseram que desejavam sair da rua.
No
caso de Maringá, qual o perfil dessa gente?
Constatamos
que 90% são homens; 30% são brancos e 65% pretos ou pardos; 50% têm ensino fundamental
incompleto; 13% ensino médio; 3,5% nenhuma escolaridade; 20% fundamental
completo e 0,5% superior.
Não conseguimos abordar todas as
pessoas. Abordamos e entrevistamos 160 em 2015 e 117 em 2016. Há uma estimativa
de que havia nos dois momentos cerca de 200 pessoas nas ruas de Maringá, mas
observamos que em 2017 esse número vem aumentando. Estamos organizando nova
pesquisa este ano, que será realizada até julho.
MAIS DE 15 MIL MORAM NAS RUAS DE SP; 291 EM MARINGÁ
A
Assessoria de Imprensa da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento
Social (SMADS) informou que o Censo da População em Situação de Rua da Cidade
de São Paulo, em 2015, detectou 15.905 pessoas nessas condições. O órgão diz
que é um assunto complexo, levando em conta a peculiaridade de cada pessoa
nesta situação.
No
entanto, informa que a gestão atual tem como meta melhorar e ampliar os
serviços já existentes na cidade e, além disso, dois programas específicos para
essa população já estão em andamento: o "Espaço Vida" e o
"Trabalho Novo".
Diz
ainda que os atuais Centros de Acolhida serão reconfigurados e
"transformados" em Espaço Vida, melhorando sua estrutura, ampliando
os serviços e as áreas comuns. Assim, o padrão de qualidade será maior do que o
existente, além de pretender que sirvam como campo de preparação para o
trabalho em diversas áreas.
O
programa Trabalho Novo promove a capacitação e inserção dos moradores em situação
de rua no mercado de trabalho, proporcionando emancipação e conquista de
autonomia dessas pessoas, como empregado ou empreendedor. Formalização de
parcerias com empresas de diversos segmentos já acontece. O trabalho em
conjunto entre o setor público e o privado é fundamental para a realização do
objetivo.
Acrescenta
que, atualmente, a SMADS realiza abordagem de moradores em situação de rua em
toda a cidade. Eles são encaminhados aos serviços com foco em cada segmento
específico: pessoas sozinhas, famílias, idosos, crianças e adolescentes,
população LGBT e imigrantes.
Maringá
A Assessoria de Imprensa da Prefeitura informou que a Secretaria de
Assistência Social e Cidadania (Sasc) identificou 291 moradores de ruas em
Maringá, em 2016. Declara que a Prefeitura oferece o Centro de Referência
Especializado para Pessoas em Situações de Rua (Centro Pop). No local, são realizadas
ações para a reconstrução de projetos de vida, atividades de higiene,
alimentação, lazer, interação e reflexão social, fortalecimento de vínculos
interpessoais e familiares e, consequentemente, a reinserção social.
As pessoas são encaminhadas à Associação Aliança de Misericórdia e à
Casa de Passagem Santa Luiza de Marilac. O Centro Pop também oferece,
diariamente, Serviço Especializado em Abordagem Social para adultos. Em 2016, a
Sasc registrou 2.332 atendimentos (1.763 migrantes) pelo Centro. Em 2017, 310
(130 migrantes).