Tinoco posa para foto na Cerealista Pantaneira, de Maringá; ele esteve na cidade para show no Clube Olímpico, em 2009, cuja renda foi destinada para tratamento de saúde da mulher dele, Nadir, que viria a morrer logo depois, vítima de câncer
O telefone toca. Era o Aníbal,
compadre do Tinoco, convidando o Fregadolli (da Revista Tradição) para almoçar na Cerealista Pantaneira. No
cardápio, frango caipira e polenta. Mas a atração principal era o próprio
Tinoco que se preparava para o show em sua homenagem no Clube Olímpico, de
Maringá. A renda do evento foi revertida para custear tratamento de saúde de
sua mulher, Nadir, que estava com câncer.
Eu fui junto, pois era a oportunidade de
entrevistar Tinoco, um dos últimos representantes da música caipira. De camisa
vermelha, calça branca e óculos escuros, nos aguardava. Ele autografava alguns
DVDs que seriam vendidos no show, mas logo me convidou para ir a uma salinha ao
lado, pois tem dificuldade para ouvir.
Pena que o tempo era curto. Tinoco
tinha de almoçar e cumprir alguns compromissos antes do show. Um personagem
como ele é uma espécie de poço cujo fundo ainda não foi atingido. Sempre é
possível cavar mais um pouco. E lá fui eu com minha cavadeira, ou melhor, meu
gravador.
José Perez, o Tinoco, nasceu em 19 de
novembro de 1920 em Platânia (SP) e João Salvador Perez, o Tonico, em 2 de
março de 1917 em São Manuel,
no mesmo Estado. Começaram a cantar como Irmãos Perez, mas logo foram batizados
pelo Capitão Furtado, apresentador do programa “Arraiá da Curva Torta”, na
Rádio Tupi.
Não demorou muito, e o palhaço
Saracura lançou o bordão: ‘Dupla Coração do Brasil’. O apresentador Dárcio
Campos passou a chamá-los de ‘Os expoentes máximos da música sertaneja’. Daí em
diante, a história é longa e só mesmo Tinoco para nos contar um pouco dela, bem
ao seu estilo com aquela linguagem caipira que não se ouve mais. Afinal, pelo
menos por um dia, a cidade virou sertão. Veja trechos do dedo de prosa, a
seguir.
Fale
um pouco da carreira de Tonico e Tinoco?
TINOCO – Nossa carreira começou quando me
conheci por gente. Naquele tempo, não tinha foinha. Minha mãe era índia. Eu
cantava fininho e o Tinoco mais grosso. A gente fazia versinho assim: “O tatu
casou com a onça, a onça ranhou o tatu”.
Nós morava na roça, no sertão de São
Manoel. Apredemo compor, tocar, sem ouvir ninguém. Então, sempre falo: quem deu
a mão pra nóis foi Deus. Abraçamo o dom que Deus nos deu. Foram 72 anos de
carreira.
Platânia fica a 15 quilômetros de
São Manuel. Eu andando lá com o prefeito vi uma casinha de madeira onde nóis
moramo 80 anos atrás. Aí, o prefeito desmontou ela e levou pra Platânia e fez
uma casa curturar. Lá, está todo nosso acervo. Nas paredes, tem o sinal da
fumaça da lamparina. O mesmo fugão de lenha onde minha mãe cozinhava. A taipa
onde nóis esquentava fogo. Naquele tempo, não tinha cuberta pra aquecer. Tudo
isso aconteceu na década de 40 no começo da nossa carreira.
A carreira de vocês
deslanchou quando o Capitão Furtado batizou-os?
A gente já cantava antes, mas ali
começou tudo. Ele deu nome e levou nóis pra gravar. Foi o primeiro passo. Foi
na Rádio Difusora, que depois passou a chamar Tupi. Era do grupo das Emissoras
Associadas comandadas por Assis Chateaubriand. Ele disse que a gente precisava
de um nome bem caboclo.
E deu certo. Tamos aí até hoje. Digo
tamos porque depois que o Tonico morreu, vai fazer 14 anos no próximo dia 13 de
agosto, eu me senti obrigado a manter a estrada de Tonico de Tinoco.
E Deus me ajudou. Gravei três CDs
cantando a voz do Tonico fazendo a segunda e a primeira. Tive uns parceiros,
mas não deu certo. Agora, eu faço dupla: Tinoco e Deus. O amor do povo é uma
beleza. Você vê a juventude, 80% no meu show. E nossas músicas, não têm uma que
inventamos. É tudo história de vida. Por isso que elas entram no coração e não
sai mais.
Tonico e Tinoco vieram
muitas vezes ao Norte do Paraná?
Nossa... Nóis ajudamo a desbravar isso
aqui. Quando nóis vinha aqui tavam derrubando mato. Olha, tudo é coisa por
Deus. Os pais e o filho mais velho vinha comprar terra nesse trecho de Londrina
a Mandaguari. Vinha com dinheiro pra pagar a terra. E já contratava camarada
pra derrubar mato. Tudo isso a gente acompanhava.
E Maringá?
Vim pra cá quando não tinha estrada.
Só jipe pra chegar. Muita gente acabava de chegar de carroça. Se a família era
grande, vinha três, quatro carroças. Uma trazendo mantimento. Tinha mais dois
cavalos amarrado atrás; quando um cansava, ponhava o outro. Eu e o Tonico não
tinha onde comer. Então, eu chegava lá onde as carroças tavam na horinha do
almoço. Eles convidava pra almoçar, e eu levava um caldeirão pra trazer, era
pra comer no outro dia.
Eu com o Tonico levava uma caneca só
pra beber água. Em qualquer riozinho de beira de estrada você baixava e bebia.
Não tinha poluição.
Você disse que as
músicas de vocês contam histórias reais, por que hoje não se faz mais músicas
assim?
Não... hoje é tudo descartavi... Tem
cantor que repete uma linha 10, 20 vezes. Outro só quer chacoalhar a bunda pra
dançar. Mais, nóis, Tonico e Tinoco sempre desviamo disso. Não é só agora, não.
Lá atrás também.
Certa vez, a gravadora
quis que vocês usassem uma roupagem moderna e vocês não aceitaram?
É... houve isso. Foi quando o Roberto
Carlos e a Jovem Guarda estourou. Por que essa roupa lumiante aqui? Quis saber.
A gravadora (Continental) falou: “Vou mudar vocês”. Eu falei:”Mudar como?”.
Vocês vão sair num carro sem capota pra mostrar o novo visuar. Falei, não.
Para, para...
Depois disso, esperei dois anos pra
gravar. Até passar aquela onda.
Quantos discos Tonico e
Tinoco gravaram?
Não dá nem pra contar. Quando fizemo
50 anos de carreira era 80 LP e quase 300
de 78 rotações. Aqueles que têm uma música de cada lado. Temos bastante
também daqueles disquinhos que saiu na década de 70, aqueles que tinha que pôr
um peso em cima da agulha pra conseguir tocar. Músicas? Contando tudo que
gravamos e fizemos passa de 1500.
Batidas
na porta. É o compadre (do Tinoco) Aníbal que vem chamar Tinoco para almoçar,
pois um canal de TV espera-o para gravar. Tenho de encerrar a entrevista. À
noite, centenas de fãs aplaudiram-no no Clube Olímpico. Acompanhado de Juliano
César, Márcia Mara, Zé Paulo, Gilberto e Gilmar, Léo e Giba e Teodoro e
Sampaio, Tinoco cantou alguns de seus principais sucessos. Segundo a coluna
DIA-A-DIA, do saudoso jornalista Edson Lima, o evento arrecadou R$ 49.585,00.
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