A desinformação ajudou a espalhar a
doença, assustando o Brasil, que, em 1974, não dispunha de atendimento
especializado para diagnosticar e tratar os casos nem de vacina para imunizar
ao menos os moradores de São Paulo, onde houve mais vítimas
(Donizete Oliveira, texto e pesquisa)
Eu
tinha oito anos. O ano era 1974. Morava na roça, em Califórnia, norte do Paraná.
Numa localidade chamada Laranjal. Havia lavoura de café, feijão, arroz e milho.
O pasto era grande. Meu pai tinha algumas vacas de leite. Pelo menos duas vezes
por semana, eu levantava cedo e pegava uma caneca de alumínio com um pouco de
cachaça no fundo e corria até o curral. Com certa rapidez, meu pai puxava a
teta da vaca e a enchia de leite fresco. Misturado à cachaça dava um gosto
especial.
Em
casa, a única fonte de informação era um rádio Semp, valvulado, com quatro
faixas. À noite e pela manhã, meu irmão sintonizava as rádios de São Paulo. Por
ali, a gente sabia o que se passava no Brasil. Televisão apenas na cidade. Foi
num distrito Marilândia do Sul, chamado Leão do Norte, que eu assisti à Copa do
Mundo de 1970. Numa TV Colorado em preto e branco eu vi o Brasil ser tricampeão
mundial no México.
Mas
uma notícia no rádio e espalhada pelos vizinhos perturbou aquela vida tranquila
na roça. Começamos a ouvir uma palavra estranha, que logo ganhou lugar nos bate
papos em meio às fileiras de pés de café. Era a meningite. Uma doença que
provocava uma terrível dor de cabeça que levava à morte. Diziam que a dor de
tão forte chegava a trincar o osso do crânio.
As
crianças eram as maiores vítimas. Eu ficava apavorado. A mãe não deixava a
gente tomar sol nem sair de casa, à noite, com medo do sereno, que, dizia ela,
poderia desencadear aquela terrível doença. Em 1974, o Brasil viveu uma
epidemia de meningite. Ao pesquisar o assunto verifico que foram dois subtipos de meningite meningocócica. Um tipo C, em 1971,
e outro tipo A, em 1974.
Dor
de cabeça, febre alta, rigidez na nuca. Os dados não são precisos, mas em São Paulo, houve média de mil casos por mês e
mais de 500 mortes. Os Jogos Pan-americanos que seriam realizados na capital
paulista, em 1975, foram transferidos para a Cidade do México. O Instituto de
Infectologia Emílio Ribas era o único hospital em condições de atender os
pacientes infectados. Superlotado foi obrigado a fechar as portas. Muitos
ficaram sem atendimento.
Nas
periferias das grandes cidades muitos morreram sem diagnóstico e tratamento. No
Emílio Ribas, o cenário era assustador. Colchões espalhados pelos corredores,
crianças em pias de laboratórios, profissionais de saúde ajoelhados para atendê-las
no chão.
O
Brasil estava sob uma ditadura militar. O governo, sem meios de resolver a
situação e com justificativa de segurança nacional, censurou a divulgação de
quaisquer informações sobre a epidemia. Os meios de comunicação não podiam falar
do assunto. Sem informação, a maioria não sabia o que fazer frente à doença.
Uma vacinação em massa a fez retroceder. A
aplicação era feita com injetores de ar comprimido. Parecidos com uma pistola
injetava a vacina sob pressão, sem agulha. O governo comprou 60 milhões de dose
de vacina da França. Em quatro dias, com ajuda do Exército, foram vacinadas 11
milhões de pessoas. Os casos diminuíram, mas a doença persistiu até 1977. Não
desapareceu, mas, atualmente, é controlada com vacinação fornecida pelo Sistema
Único de Saúde (SUS).
![]() |
A vacinação com um aparelho de ar comprimido causava pavor nas crianças |
![]() |
Capa da revista Veja denunciava a censura que imperava sobre a doença |
![]() |
A ditadura militar proibiu a imprensa de divulgar informações sobre a epidemia |
Nenhum comentário:
Postar um comentário