(Texto
e foto: Donizete Oliveira)
O
ano era 2010. Eu vi um cachorro amarelo que dormia enrolado num monte de areia,
na calçada da rua da casa da minha irmã. No outro dia, ele se aprochegou do
portão dela, bebeu água e comeu ração num pote. Ela o deixa ali para cachorros
que passam por lá. Mas o Pitoco, assim o nomeamos por causa do toco de cauda,
ficou. Dormia na frente da grade. Inquieto e individualista, não convivia com
outros cães. Qualquer aproximação era motivo de briga. Arrumou uma treta com um
cão do vizinho. Certa vez se atracaram na rua. Minha irmã tentou separar, e um
deles a mordeu no braço.
Pitoco tinha outro problema. Corria
atrás de motoqueiros. Eu via o dia em que alguém o mataria. Antes que o pior
ocorresse o adotamos. Veio para o quintal. Tornou-se conhecido no bairro. Eu o
levava para caminhar; as pessoas o chamavam pelo nome. Após um tempo, eu ia
correr oito, dez quilômetros; ele junto. Uma vez o levei para correr a Prova 28
de Janeiro, de Apucarana. Comigo, ele correu uma volta de cinco quilômetros em 28
minutos. Na chegada, ofereceram melancia; ele comeu um pedaço.
A convivência se fortaleceu. Pitoco não
era de pular, lamber. Manifestava carinho balançando o toco de cauda. Mas se
apegou a mim. Tanto que passou a dormir no meu quarto, no chão, numa almofada
que adaptamos para ele. Forte e destemido, continuou retinente a outros cães.
Ao completar 15 anos, um dos bagos começou a inchar. Levei-o ao veterinário,
que recomendou cirurgia. Ele a fez; o Pitoco se curou. Mas a idade havia
chegado. Começou a cambalear. Mesmo assim, latia com cães que passavam na rua.
Aos 17 anos, a cara começou a ficar
levemente branca. Às vezes, a gente o carregava para mudar de lugar. Uma
bolinha na gengiva o incomodava. Levamos ao veterinário, que disse se tratar de
um câncer. Extraí-lo com cirurgia era recomendado, mas o problema era a idade.
Podia não resistir. Medicou, mas o tumor cresceu. Até que ele não podia mais mastigar
os alimentos. A gente dava comida pastosa, mas o problema se agravou. Passamos
noites de agonia, reanimando-o. Ele parecia entender que a gente estava ali, ajudando-o.
A gente não autorizou a eutanásia.
Entendemos que o processo natural da morte, apesar do sofrimento, é mais sensato.
Mais de 15 cachorros já morreram em casa sob nossos cuidados. Digamos que nos
tornamos especialistas em cuidar até o fim. De humanos também. Ajudamos a
cuidar do meu irmão e minha irmã nos seus últimos dias. Uma vez entrevistei a monja
Coen, que me disse: “O cuidado é um ato de amor, fazer algo para um ser vivo
que não vive sem essa ajuda”. Cito de memória, mas foi mais ou menos isso que
ela disse.
De manhã, minha irmã me acordou,
dizendo que o Pitoco havia se encantado. Fui vê-lo, e ele ainda estava quente.
Remorei ali uma história de vida. Quando ele surgiu na rua e o acolhemos no
quintal deveria ter uns três anos, conviveu 14 anos com a gente. Uma vida
feliz. Talvez por isso tenha vivido tanto. Após enfaixa-lo com um pano, o enterramos
no quintal, à sombra de um pé de incenso. Ao lado foram enterrados o Snnopy, a
Neguinha e a Bibi. Outros enterramos no sítio do meu irmão. E continuamos a
missão, de cuidar até o fim. De humanos e animais...
Pitoco na frente do quintal da casa da minha irmã, em Apucarana |