Símbolo da luta pela terra no Brasil, Elizabeth Teixeira, que completou 99 anos, continua a luta do marido, assassinado em 1962, a mando de latifundiários, que deu origem ao documentário de Eduardo Coutinho, “Cabra marcado para morrer”
Texto:
Donizete Oliveira
Foto:
Memorial das Ligas e Lutas Camponesas
1,
2, 3... três tiros ecoaram nas margens da BR-230, que liga João Pessoa a Sapé,
município de 52 mil habitantes, a 57 quilômetros da capital paraibana. Era 2 de
abril de 1962. A vítima assassinada a tiros de fuzil pelas costas era o
agricultor João Pedro Teixeira. Marido de Elizabeth Altino Teixeira, ele
travara uma luta ferrenha com latifundiários da região. Rechaçava os maus
tratos a trabalhadores rurais e exigia a reforma agrária. Reivindicação antiga
que põe o Brasil entre os raros países do mundo que não a fizeram.
João
Pedro sabia que podia morrer, mas foi às últimas consequências contra os
algozes daqueles que lavravam a terra e dela tiravam o sustento. A altiva luta
dele se transformou em famoso documentário: “Cabra marcado para morrer”.
Obra-prima que Eduardo Coutinho começou a produzir após a morte do camponês. O
golpe civil/militar de 1964 a interrompeu. Após a anistia, ele voltou a
filmá-la e a lançou em 1984. Uma reflexão que escancara as mazelas de um Brasil
desconhecido, mas presente no nosso cotidiano.
De
família de posses, o pai de Elizabeth não quis que a filha se casasse com João
Pedro. Até dinheiro lhe ofereceu para que o deixasse, mas ela resistiu. Com a
morte do marido, assumiu a luta pela reforma agrária. Um embate sem trégua.
Tentaram silenciá-la. Num ataque a tiros, à casa dela, a prenderam. Paulo
Pedro, seu filho, de 11 anos, quase morreu com uma bala na cabeça. Marluce, uma
de suas filhas, com medo de que matassem a mãe e o resto da família, bebeu
veneno e morreu. Após constatar a injusta prisão, o delegado a soltou.
Mas
a luta de Elizabeth não parou. A exibição de “Cabra marcado para morrer” lhe
deu visibilidade. Ela transformou sua luta em embate permanente pela reforma
agrária. Proferiu palestras e participou de eventos pelo Brasil. Em Cuba, o
então comandante Fidel Castro a recebeu. Para escapar da perseguição lhe
ofereceu asilo político. Mas ela preferiu ficar e encarar a cruel realidade. Na
ditadura civil/militar, por 16 anos, foi exilada no seu próprio país. Mudou o
nome e viveu no interior do Rio Grande do Norte. Sobrevivia lavando roupa.