O EXTERMINADOR DE FUNGOS E ÁCAROS
Com arte, habilidade e paciência,
restaurador de livros antigos transforma páginas e capas amareladas e
danificadas pelo tempo em exemplares com aparência de novos
Texto e foto Airton Donizete
Um
livro antigo, com páginas amareladas e esfarelando pela ação do tempo. Para
recuperá-lo, o primeiro passo é exterminar os fungos e ácaros que o devoram, se
alimentando de cola e papel velhos. Mas não é apenas destruí-los. A recuperação
das folhas e capas exige uma dose de arte, habilidade e paciência.
Para
algumas pessoas, livros antigos são mais que folhas de papel dobradas e
encadernadas. Eles têm valor sentimental. As memórias que os ligam aos donos os
fazem permanecer a vida toda numa estante. Muitos são frágeis, e o manuseio
constante os danifica. Aí entra o trabalho do restaurador. Em Maringá, é
possível encontrá-lo na Rua Bragança, 219 (Zona 7), numa casinha de madeira.
Cheguei
lá pouco antes das 13 horas. Estava fechado para almoço. Mas logo Edilson Francisco
de Oliveira, 53, conhecido por Bêga, surgiu. Casado com Nilza Oliveira, o casal
tem dois filhos. Natural de Nova Esperança, ele está em Maringá desde os seis
anos. O pai dele era vendedor da Loja Riachuelo e foi transferido para a Cidade
Canção. Bêga estudou geografia na Universidade Estadual de Maringá (UEM), mas
não concluiu o curso. Após ser engraxate, office-boy e passar por outros
empregos se tornou encadernador.
De
tanto mexer com livros antigos, começou a recuperá-los. Sozinho descobriu
algumas técnicas, até que em 2000 fez um curso de restauração de livros na
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Em duas semanas aprendeu o segredo de
transformar folhas de papel amareladas e danificadas em exemplares com
aparência de novos.
Pedra,
madeira, placas de barro, papiro, pergaminho, cânhamo, capim, palha e até trapos
velhos foram usados para a escrita durante séculos. Dizem que o papel foi
inventado na China no ano 105 depois de Cristo por um sujeito chamado Cai Lun.
De lá para cá, as publicações aumentaram e, com elas, os desgastes naturais do
frágil material de celulose.
Mas
o mercado de restauro de livros não evoluiu tanto. Bêga não vive apenas dele. É
uma espécie de apêndice de seu negócio, que inclui, entre outros, encadernação
e produção de capas para trabalhos científicos.
Mas há clientes fixos que ao comprar um livro os leva para reforçar as
páginas. Alguns chegam com raridade. Por exemplo, uma Bíblia, de 1903.
Uma
mulher trouxe um livro de receitas da personagem dona Benta, de 1948. Para
restaurar e presentear a avó dela que o guardara. Mas não é só livro. Outra juntou
os trabalhos que o filho fizera nos primeiros anos da escola. Encomendou uma
bela encadernação para homenageá-lo no dia do casamento dele.
O
restaurador diz que cada livro é um caso. Depende da acidez e da química do
material. Os antigos desgastados e amarelados são congelados por 72 horas para
matar fungos e ácaros. Após a secagem, é feita a recuperação, que pode incluir
aplicação do papel japonês, cuja consistência permite reparar capas e folhas.
-
Vai do que pede o cliente, do valor sentimental que ele tem pelo livro e da
raridade do exemplar. Quanto mais sofisticado o trabalho maiores a intervenção
do restaurador e o custo da mão de obra - afirma Bêga.
De
vez em quanto aparecem gibis e revistas antigas. Há casos que ele não esquece.
Por exemplo, um cliente que trouxe um livro antigo do Nazismo. Apaixonado por
guerras, ele guardava o exemplar por causa das máquinas de guerra alemãs. A mãe
dele achava que era pela ideologia do partido de Hitler. Com uma tesoura, ela o
picotou todo. O filho inconformado procurou Bêga.
-
Aquele livro foi um dos mais complicados que restaurei – conta. – Recuperei
quase todo o texto que havia sido danificado. Mas consegui, e o cliente ficou
satisfeito.
É
um trabalho minucioso, que exige paciência, habilidade e conhecimento. Antes de
ele fazer o curso na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, imaginava que dar
nova aparência a um exemplar bastava colocar uma capa dura. Mas, não.
Restauração envolve, sobretudo, a manutenção original do livro.
-
O bom restaurador faz isso. Hoje, com a internet, facilita a busca de uma nova
capa do material. Assim, você reconstrói o livro, como recuperar a lataria de
um carro, mantendo a feitura original – acrescenta.
Quer
aprender? Ele ensina. Bêga ministrou cursos de restauração de livros em Maringá
e em outras cidades do Paraná. Para este ano, ele trabalha num projeto para
montar um curso online. Restaurar livros é mais que um trabalho; é a arte de
exterminar fungos e ácaros. Mas não basta destruir o inimigo. É preciso
reconstruir o campo de guerra, no caso o livro danificado.
(Informações: (44) 3224-1267, com
Edilson, o Bêga)
FOTO
Edilson de Oliveira, o Bêga, mostra
livros antigos,
cuja restauração ele faz
Comentários
Postar um comentário