Chuva, Lula, Requião, solidariedade, sem terras, sem comida, sem autógrafo e beijo na mão
TEXTO E FOTOS: Donizete Oliveira
Manhã
de sol. Mas o tempo ameaçava com nuvens pesadas no horizonte. Destino Lerroville.
Pela BR-376, trevo de Mauá da Serra. A 35 quilômetros sentido Londrina, da qual
é distrito. Uns três quilômetros à frente, por uma estrada de terra chega-se ao
assentamento Eli Vive, onde Lula, Requião e parte do staff petista estiveram sábado.
Fui
de carona com amigos de Apucarana. Gava, Rosa, Magrão e Paulo Reis. Quem
chegou cedo a Lerroville, nosso caso, os pinheiros eram referência. No pinheiro, virem à direita. Nos explicaram. Mas tinha mais de um à beira
da estrada de chão.
A
sinalização começou a ser colocada assim que a gente chegou. Bandeirinhas
vermelhas indicavam a rota. Logo caiu o aguaceiro. As laterais de algumas
barracas precisaram ser tombadas para escorrer a água acumulada. Gentes munidas
de enxadões improvisavam sulcos para escoar a água que as invadia.
A
expectativa era a presença de Lula. Dizia-se que ele chegaria ao local antes das 11 horas. Mas chegou por
volta das 14 horas. Desde cedo, fotógrafos e cinegrafistas ficaram no
chiqueirinho, na entrada de um enorme pátio. Nos disseram que a comitiva de
Lula e Requião passaria em frente. Eles visitariam a barraca de produtos
cultivados e produzidos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST).
O
chiqueirinho de fora era a céu aberto. Por causa da chuva, nos transferiram
para o fundo da barraca. Apesar do improviso, a mudança melhorou nossa posição.
Ideal para fotografar quem adentrava. Lula e comitiva iriam ver os produtos.
Aquelas demonstrações de praxe. Uma autoridade ouvindo sobre o que se planta e
o que se produz numa região.
Com
a comitiva veio um batalhão de gente na frente. Inclusive outros fotógrafos,
atrapalhando os que ficaram atrás. Lula distribuiu comprimentos.
Ouviu explicações e perguntou sobre alguns produtos. André Vargas, ex-deputado que
foi ativo nos quadros petistas, estava lá. Virou produtor de pitaia, numa
chácara em Ibiporã. Disse que levara uma caixa da fruta ao Lula.
Eu levei um exemplar do livro “Lula – biografia”, de Fernando Morais. Na saída
da barraca, pedi a Lula para autografá-lo. Ele mirou o livro, como se fosse
afirmar algo. Após alguns segundos disse: “depois eu assino”. Um dos seguranças
que o acompanhavam reforçou: “Ele assina, pode ficar tranquilo”.
Fomos
ao barracão aberto ouvir os discursos. Estava lotado. Falavam-se em dez mil
pessoas. A maioria de assentamentos rurais. Vieram de ônibus. Eu calculei sete mil. Os discursos se revezaram. De João Pedro
Stédile, economista, um dos fundadores do MST, a Bela Gil, filha de Gilberto
Gil. Ela apresenta um programa de culinária numa TV por assinatura. Fiquei
sabendo quem era por uma coordenadora da barraca do assentamento.
No
barracão, o local reservado para fotógrafos e cinegrafistas, ao lado do palco,
foi tomado pelo público. Cada um teve que se virar no meio da multidão para
fotografar os falantes no palco. Deveriam ter feito um elevado de tábuas, como
fizeram em eventos semelhantes que cobri. Fotógrafos e cinegrafistas ficam
acima do público na entrada. Facilita o trabalho.
Após
sucessivos anúncios, Lula, enfim, falou. Declarou que o atual governo é uma
fábrica de mentiras. Apelou para que os eleitores votem em candidatos a
deputado e a senadores comprometidos com as propostas de um eventual governo
petista. “Não podemos pôr raposa no galinheiro, que ela vai comer as galinhas”,
comparou.
Ressaltou que entre os candidatos a presidente
da República ele é o que mais entende a alma do povo. “Eu conheço o chão de
fábrica e sei o que é sentar numa mesa e não ter o que comer”, disse. “Morei em
casa que, com chuva, a gente tinha de acordar de madrugada jogar água para
fora e espantar barata e outros insetos que saíam pelos ralos”. Daí porque ele decidiu
ser candidato, afirmou. Garantiu que vai recolocar o pobre no orçamento do
governo federal e cobrar impostos daqueles ricos que não pagam. “Não é
vingança, é justiça, sem isso, o Brasil não pode dar certo”.
Stédile
disse acreditar na eleição de Lula, mas apelou “aos companheiros” que não
arredem pé e se organizem para elegê-lo. A organização se chama “Comitês
populares” que se encarregarão de divulgar a proposta de governo petista. “Deus
ajuda quem se organiza”, disse, citando o dito de um amigo, padre de uma
instituição em que ele estudou no Rio Grande do Sul.
Requião
revelou que aos 81 anos, a indignação o faz disputar mais uma eleição para o
governo estadual, que ocupou três vezes. “Quando vejo mulheres assaltando
caminhões de lixo em busca de comida, quando vejo açougues que descartavam
ossos, hoje, separando ossos de primeira e de segunda para vender aos
esfomeados sem salário, entendo que preciso voltar ”, declarou.
Ele
disse se animar ao ver o MST a lutar por um Paraná e um Brasil melhores. “Vocês
me inspiram e reconfortam minha alma”, ressaltou, afirmando que está numa
caminhada por uma mobilização de redenção nacional. “Só temos um caminho,
eleger Lula presidente”.
Fim
dos discursos. O povo se dispersa. Passavam das 15 horas. Ouvi dizer que teriam
dez mil marmitas para os presentes. Quem estava apenas com o café da manhã. Um
alívio. Mas não teve. Disseram que o caminhão que as trazia encalhara na
estrada. A boia azedara. Restou comer alguma coisa no trajeto de volta.
Antes
de partir fui ver a saída da comitiva. Com esperança de que Lula autografasse
meu livro. Fiquei ao lado do corredor por onde passariam. O povo se ajuntou. A
maioria mulheres. Uma foto com o Lula, apelavam. Ele veio parando para
autorretratos (as tais selfies). Indaguei o assessor que prometera o autógrafo
do ex-presidente. Mal me olhou. Sem autógrafo.
Entre
os presentes, esperança. Ari Adelino de Assis, 64, viera de Ortigueira. Ele,
que vive num assentamento, diz esperar dias melhores. “Se continuar assim, a
gente não sobrevive”, reclama. “Está tudo caro, esperamos uma mudança, daí
porque apoiamos o Lula e o PT”. “Precisamos de um governo que nos dê incentivos
para produzir e vender nossos pães, bolos, pudins, marmitas”, emenda Josiane Cristina
dos Santos Lima, 38, do mesmo município, se referindo às mulheres do MST.
Uma colega dela, de Santa Maria do Oeste, que não quis se identificar, diz que o governo federal precisa investir em programas de qualificação profissional para as mulheres dos assentamentos. “A gente faz produtos em casa para vender, mas precisamos de aperfeiçoamento e tem aquelas que precisam aprender”, afirma.
A servidora
municipal Yvi Rosa, 29, de Londrina, diz que a mulher do campo está mais organizada,
contudo, precisa de atenção do poder público. “É o que esperamos de um futuro
governo petista, que tire o Brasil desse imenso buraco em que nos enfiaram”.
Cada
participante do evento em Londrina foi convidado a colaborar com a arrecadação
de alimentos. A expectativa era reunir em torno de 60 toneladas de legumes,
grãos, panificados, frutas e lácteos produzidos pelas famílias do MST. Seriam
doados a bairros periféricos de Londrina.
Na
parte interna do assentamento, meus olhos atiçavam o estômago em meio a frutas,
cereais, doces, pães, bolos, queijos, cachaças, entre outros. Só exposição. Não
vendiam. Na parte externa, havia quiosques, mas vegetarianos iguais a mim se
deram mal. Só iguarias de carnes.
Partimos.
Devagar atrás da imensa fila de carros na estrada lisa de lama. A rodovia. Paramos
no primeiro restaurante. Sem comida, tem razão Lula, a gente não vai a lugar
nenhum. Felicidade incontida era da Rosa. Havia um buraco na lona plástica que separava o corredor em que a comitiva de Lula passava e a multidão que o aguardava. Ela enfiou a mão lá no momento em que eles chegavam. Lula apertou a mão dela e a beijou. "Emocionante", repetia ela, no caminho de volta.
O ex-presidente Lula discursou no assentamento Eli Vive com críticas ao governo federal e a parlamentares |
Barraca com alimentos cultivados e produzidos pelos trabalhadores assentados |
O salão aberto do assentamento Eli Vive ficou lotado para ouvir os discursos de Lula, Requião e comitiva |
Parte das 60 toneladas de alimento que seriam arrecadas no evento e distribuídas na periferia de Londrina |
Lula assediado pela multidão, que implorava por uma foto, durante o evento do MST realizado em Londrina |
Muito bom, Donizete.
ResponderExcluirObrigado meu caro.
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