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Um caramelo que conquistou o pedaço...

 Comerciantes dão abrigo, ração, água e até veterinário e medicamentos a um vira-lata que se tornou conhecido e protegido em trecho de uma das principais ruas de Apucarana

(Texto e fotos: Donizete)

Em Quincas Borba, há um cão do mesmo nome do livro e de um dos personagens. No romance de Machado de Assis, que é um espelho crítico da sociedade, o animal se destaca por amor e fidelidade.  Ao menos nestes quesitos, a trama machadiana se repete pelas ruas de certas cidades. Cães chegam e vão ficando em determinados locais. Comerciantes e moradores cuidam. Não demora, viram patrimônios do pedaço. É o caso de um caramelo que vive num trecho da rua Nova Ucrânia, em Apucarana, perto do Cemitério Cristo Rei.

Diferente de Quincas Borba, que tinha um dono, ele tem cuidadores. Dois lhes dão abrigo, ração, água e, se precisar, veterinário e medicamentos. De manhã, ao chegarem para abrir o comércio, lá está o cão, que não tem um nome. Alguns o chamam de Betão. Estalam a ponta dos dedos, ele vem abanando o rabo. Um dos que o viram primeiro é José Carlos Ramos, o Zezão, dono de uma eletrônica no local. Ele o chama de Pumba, em referência à série animada “Pumba e Timão”, representados pela amizade entre um javali e um suricato.

Zezão conta que o chamou assim porque a primeira vez que o viu, há uns dez anos, ele andava com um cão menor. O outro sumiu, mas ele ficou naquele trecho de rua e conquistou comerciantes e moradores. “Não importa o nome, o importante é o cuidado que dispensam a ele”, diz. Quase o perderam para a doença do carrapato (Anaplasmose). O comerciante comprou os medicamentos indicados por um veterinário que o curaram do mal que o fez até pôr sangue pela boca. “Só não morreu porque o tratamento agiu rápido e foi certeiro”, conta.

O cuidado é retribuído com amor e carinho. Ao sair para caminhar, o caramelo o acompanha. Se sair de carro, ele corre na frente. Muitas vezes, sai escondido por causa do risco de um acidente. Agentes do canil municipal já o levaram, mas ele fugiu e voltou ao mesmo local. Nos fins de tarde, é possível vê-lo na entrada do Bar do Maurinho, que fica perto. Zezão senta à mesa, ele deita ao lado. Cerra os olhos, mas fica atento, à espera do amigo levantar, para ir embora junto. Uma vez o denunciaram por uma suposta investida contra uma pessoa. “Por curiosidade, ele se aproximou, sem ataque, mas a pessoa não gostou”, afirma Zezão, garantindo que o caramelo não é agressivo.

 A comerciante Mara Borbolato, que arrumou uma caixa de plástico que lhe serve de abrigo, concorda que se trata de um cachorro dócil, que precisa de cuidado. Todos os dias, ela coloca recipientes com ração e água para ele. Dona de um depósito de gás, o caramelo corre na frente do caminhão do marido dela. Muitos o conhecem por “caramelo do gás”. No quintal do depósito, ela tem quatro cachorros. Diz que algumas vezes tentou mantê-lo com os outros, mas o caramelo não se adaptou e voltou para a rua. “A gente se preocupa com a situação dele, mas não tem como deixar preso”, afirma.

 Sérgio da Rocha Pedroso, dono de um comércio do outro lado da rua, confirma, que naquele trecho, as pessoas gostam dele. “É um cachorro tranquilo que não perturba ninguém”. A cabeleireira Luciana Gonçalves Rodrigues da Silva diz que, todos os dias, ao chegar de manhã pra abrir o salão, ele está deitado na frente. “Como se esperasse pra dar um bom dia pra gente”.

         O motorista Eronildes Inácio Pereira ao passar por ele, o chama de Betão, que ergue a cabeça à espera de um carinho. “Acostumei com esse cachorro e nunca deixarei que alguém faça mal a ele”, diz. “É um mano, parceiro meu, que me cumprimenta todo dia, sem exigir nada em troca, uma amizade verdadeira”. Pelo jeito, o caramelo conquistou o pedaço, diz alguém que passa pela calçada.

O caramelo acorda à procura do amigo Zezão


Zezão e o amigo caramelo, chamado de Betão


Mara e o cuidado diário com o caramelo, que fica na calçada



Zezão no bar do Maurinho, Betão espera



Uma pausa para descanso, no fim de tarde


O motorista Eronildes lhe deu nome de Betão




















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