Um mineiro, um paulista, um japonês, um
alemão e um italiano, na longínqua década de 1950, deram formato à história
artística de um embrião de cidade, que crescia exuberante em meio àquele
inóspito sertão
Texto: Airton Donizete
Fotos: Acervo da Gerência de Patrimônio
Histórico e AD
Maringá
não é apenas “Cidade Canção”; é uma cidade de sorte. Pelo menos, em se tratando
de arte. Logo após sua fundação, em 10 de maio de 1947, cinco artistas de peso
se estabeleceram aqui. Na década de 1950, eles se destacaram cada em sua área,
transformando Maringá numa referência artística. A influência deles foi
fundamental para construir uma identidade da arte local.
O
historiador João Laércio Lopes Leal assim se refere aos anos 1950 no livro
“História artística e cultural de Maringá – 1936/1990”: “Um decênio farto em
figuras, acontecimentos, produtos e práticas relacionados ao cultivo desse
universo tão rico e revelador de um tipo de mentalidade peculiar, pois as
manifestações artístico-culturais numa área onde essas não são prioridades, nem
mesmo levadas a sério, e, mesmo assim, teimam em acontecer, só demonstra o
quanto interessante é sua história”.
Na
literatura, Ary de Lima. Claro, na mesma época, surgiram eminentes figuras das
letras: Jorge Ferreira Duque Estrada, Antônio Augusto de Assis (A. A. de Assis),
Antônio Mário Manicardi, Dari Pereira, Benedito Moreira de Carvalho, Zaia
Carvalho, Galdino Andrade, Verdelírio Barbosa, João Amaro de Farias, entre
outros. Mas Lima, digamos assim, foi o representante mor da área naquela década
de 1950.
O mineiro talentoso
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Ari de Lima, mineiro militante político e precursor da literatura maringaense |
Natural
de São Sebastião do Paraíso (MG), Lima foi professor, político, poeta e
jornalista. Nasceu em 1914 e, aos 14 anos, era respeitado professor de
português e literatura. Na sua cidade natal foi radialista, jornalista e
político, elegendo-se suplente de deputado estadual. Ele era da União Democrática
Nacional (UDN), oposição ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de Getúlio
Vargas.
Em
1952, veio para Maringá, assumindo a gerência do Banco Mineiro da Produção. A
cidade fervia com gente de muitas partes do Brasil. Em 1954, deixou o banco, retomou
a carreira de professor, dedicando-se ao jornalismo e à política. Na Rádio
Cultura, comandou o programa “Marcha dos Pioneiros”, narrando a saga dos colonizadores
de Maringá; apresentava também “Coisa de outro mundo”, no qual com ironia
denunciava mazelas locais, regionais e nacionais.
Com
o poeta A.A. de Assis redigia a revista “Maringá Ilustrada”. Em parceria com
Aniceto Matti compôs a letra do “Hino a Maringá”. Compôs também os hinos de
Loanda (PR), São Sebastião do Paraíso (MG) e Sinop (MT). Autor dos livros: “Sol
poente e sol nascente”, “O sertão ressuscitou”, “Meu Brasil brasileiro – poemas
caboclos”, “Discursos parlamentares”, “Melancólico destino das Sete Quedas”,
“Panorama florestal brasileiro”, “Turismo – nova aurora de esperanças”, “O
desbravador Ênio Pepino”, “O Dia Nacional do Folclore” e “O verde está
morrendo”.
O italiano que veio por acaso
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Professor Aniceto veio da Itália e ministrou as primeiras lições de música na "Cidade Canção" |
Nascido
norte da Itália, na região de Piacenza, em 1920, o maestro Aniceto Matti é
precursor da arte musical em Maringá, na década de 1950. Com nove anos de
idade, ganhou seu primeiro piano. Aos 28 anos, concluiu, num conservatório da
Itália, o curso superior em música. Também cursou licenciatura poética e
dramática. Em 1948, ele mudou-se para Buenos Aires, onde viveu por cinco anos
com tios e primos.
Com
33 anos, em 1953, veio passear em Londrina. Queria conhecer as plantações de
café do norte do Paraná, o que o levou a pegar carona num caminhão e vir até
Maringá. Caiu uma chuvarada fazendo muita lama. Ele pretendia voltar a
Londrina, mas, talvez por causa do mau tempo, não encontrou o caminhoneiro que
o trouxera.
Queria retornar à Argentina, mas o pioneiro Joaquim
Dutra o incentivou a ficar e lhe arrumou um emprego na Rádio Cultura. Dava aula
de piano e acordeão e cuidava da parte artística do “Clube do Caçula”, um dos
programas de sucesso da emissora. Conheceu Ary de Lima, que trabalhava na
emissora, e o professor Geraldo Altoé, que o convidou para dar aula de Educação
Artística no Colégio Estadual Gastão Vidigal. Matti e Lima venceram o concurso
para a escolha do hino a Maringá.
Apaixonado pelo teatro
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Calil Haddad contribuiu para o desenvolvimento da arte cênica em Maringá |
Nascido
em Jaú (SP), em 1926, Calil Haddad era o 11º filho de uma família de 12 irmãos,
cujos pais eram Regina e Nassib Haddad. Eles vieram de Jacarezinho, norte do
Paraná, e chegaram a Maringá em 1946. Calil cursou o primário e o ginásio em
Jacarezinho, destacando-se nas disciplinas de francês, latim e matemática.
Nassib
fora professor na Síria e, em Maringá, tornou-se comerciante de tecido com a
Casa São Jorge, no Maringá Velho. Formado em direito, Calil não exerceu a
profissão, tornando-se professor. Simpatizante do comunismo, a paixão dele, o teatro, tornou-se realidade
ao conhecer Victor Andreata, um alemão radicado no Brasil, que se dedicava à
arte circense.
O
historiador João Laércio destaca no livro “História Artística e Cultural de
Maringá – 1936/1950”: “Victor ensinou-lhe desde a percepção do potencial da
pessoa para atuar, até a forma como lidar com os atores, a fim de extrair o
máximo rendimento na hora do ensaio e no momento de execução da peça”.
Superando
as dificuldades da época, Calil, fundou, em 1956, o grupo “Teatro Maringaense
de Comédias (TMC)”. Em 1959, encenaram a peça “Irene”, de Pedro Bloch. Nos anos
seguintes, entre outras, apresentaram “As árvores morrem de pé”, do escritor
espanhol Alejandro Casona. Participavam do TMC: Lair Krambeck, Darcy Urizzi,
Jerônimo da Silva, Élvio Lemos, Edna Pereira, José Klenckner, Carmen Lopes,
Lucia Pires, Edno Gonçalves Fernandes, Raimundo Tavares, Simone Motta, Joerson
José Inocêncio, Moacir Cardoso, Zeneide Corrêa, Célia Rosa de Souza e Domingos
Fernandes.
O cronista da imagem
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Kenji Ueta contou a história de Maringá registrando os principais eventos da cidade |
A
arte fotográfica chegou a Maringá em 1940 com os japoneses: Shizuma Kubota, Tutomu
Sanuki e um teuto-brasileiro Augusto Eduardo Eidam. Mas eles encerram o negócio
no começo da década de 1950. Shizuma e Eidam, inclusive, venderam seus estúdios
para Kenji Ueta, que se tornou uma espécie de cronista fotográfico daquela
Maringá que começava a se desenvolver.
Seu
Kenji, como é conhecido, fala baixinho. Às vezes, se enrosca em algumas
palavras. Mas bater papo com ele vale a pena. Kenji chegou a Maringá, em 1951.
Um homem da lida. Após a morte dos pais trabalhou na roça, na região de
Ribeirão Preto, interior do Estado de São Paulo. Nascido no Japão, em 5 de
agosto de 1927, chegou ao Brasil aos cinco anos após viajar por 48 dias no navio
Santos Maru.
De
lá veio para Maringá, onde começou a trabalhar numa loja de tecido. Ele e os
irmãos Yukio e Tetsuaki juntaram algum dinheiro e entraram para o ramo de
fotografia. Logo nasceu o Foto Maringá, no qual está até hoje. Kenji se tornou
fotógrafo de eventos. Fotografava casamentos, batizados, festas de debutantes e
tudo que aparecesse naquela festiva boca de sertão. Mas tinha tino jornalístico
e de historiador.
Diferentes
de outros fotógrafos que registraram o nascimento da cidade, ele fotografava
com objetivo de guardar as imagens para mostrar no futuro. “Imaginei, do jeito
que Maringá está crescendo, mais tarde, o povo vai querer saber como era
antes”, racionou. “Então, comecei a registrar a transformação das ruas e das
casas de comércio”.
Ele acredita na máxima de que uma imagem vale
mais do que mil palavras. Aliás, vai além. Diz que uma imagem vale por 100 mil
palavras. “Não adianta só contar é preciso mostrar”, declara. “Aí entram as
imagens que provam o que a gente fala”. Não faltam provas. O fotógrafo tem um
arquivo com milhares de cenas de Maringá. Muitas inéditas.
O pintor da terra vermelha
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Edgar Osterroht fugiu da guerra da antiga Prússia e retratou com sua pintura a história de Maringá |
Dirigi-me
à rua Santa Maria, número 27, centro de Maringá, onde vive o artista plástico Edgar Werner
Osterroht. Atrás de uma mesa, numa sala espaçosa com quadros pelas paredes, ele
me recebeu. Não revela a idade, mas
pouco importa. Nasceu nos anos 1930 em Tilsit, na antiga Prússia, que foi
abolida no fim da Segunda Guerra Mundial. Fugindo dos russos, a família tentou
imigrar para o Canadá, mas preferiu o Brasil e, em 1951, chegou a Maringá.
Eles
chegaram à cidade na jardineira da Viação Garcia. De Apucarana a Maringá foram
cinco horas. Edgar levou algum tempo para se adaptar àquela terra vermelha e ao
imenso sertão que se formava na região. Para quem chegava, parecia o fim do
mundo. Principalmente, para alguém que vivia na Europa.
Engenheiro,
ele foi topógrafo e urbanista da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP)
até a década de 1960. Ajudou a criar mais de 15 cidades na região e, entre
outros, trabalhou com os engenheiros Vladimir Babkov e Walter Kreiser, que,
segundo ele, é um dos inventores do helicóptero. “Foi uma época difícil, mas
interessante porque tudo o que se ia fazer era uma aventura”, lembra. “Pensei
em ir para São Paulo trabalhar mesmo que fosse de engraxate, mas acabei
ficando”.
Casado,
dois filhos, Edgar é exímio desenhista. Aos dois anos já rabiscava figuras de
carro num papel. Dom que o acompanhou e o transformou num grande artista
plástico. Quando trabalhava na CMNP aproveitava as horas vagas para desenhar.
“Não havia rádio, televisão, jornais, revistas e nem bar para tomar cerveja,
então eu desenhava para não enlouquecer”, conta.
Os
desenhos de Edgar retratam a Maringá de outrora. Como ele mesmo diz no prefácio
de um dos seus livros: “Lembrando um pouco daquelas cidades de madeira do
famoso faroeste norte-americano”. Os desenhos dele se transformaram em dois
livros que revelam a história da cidade. Lançados em 1997 e 2007.
Quem
chega ao seu escritório anexo a casa dele depara com um quadro do diretor da
CMNP, Alfredo Nyffeller, e outro do engenheiro Vladimir Babkov, da mesma
empresa. Mas as pinturas não se limitam a pessoas. Retratam ruas, avenidas e
famosos estabelecimentos comerciais da cidade. Por exemplo, o Hotel Maringá, no
Maringá Velho.
Edgar
realizou a primeira exposição de arte de Maringá no Restaurante Lord Lovat, que
funcionava na Avenida Tiradentes. Na época, a arte causava espanto. “Aquele
alemão não tá bem da cabeça”, diziam. “Pintar casas sujas de barro velho”! Mas
aos poucos ele conquistou muitos admiradores e hoje é uma referência da
história de Maringá.