domingo, 21 de maio de 2017

ELES PUSERAM MARINGÁ NA VANGUARDA DA ARTE

Um mineiro, um paulista, um japonês, um alemão e um italiano, na longínqua década de 1950, deram formato à história artística de um embrião de cidade, que crescia exuberante em meio àquele inóspito sertão

Texto: Airton Donizete

Fotos: Acervo da Gerência de Patrimônio Histórico e AD

Maringá não é apenas “Cidade Canção”; é uma cidade de sorte. Pelo menos, em se tratando de arte. Logo após sua fundação, em 10 de maio de 1947, cinco artistas de peso se estabeleceram aqui. Na década de 1950, eles se destacaram cada em sua área, transformando Maringá numa referência artística. A influência deles foi fundamental para construir uma identidade da arte local.
O historiador João Laércio Lopes Leal assim se refere aos anos 1950 no livro “História artística e cultural de Maringá – 1936/1990”: “Um decênio farto em figuras, acontecimentos, produtos e práticas relacionados ao cultivo desse universo tão rico e revelador de um tipo de mentalidade peculiar, pois as manifestações artístico-culturais numa área onde essas não são prioridades, nem mesmo levadas a sério, e, mesmo assim, teimam em acontecer, só demonstra o quanto interessante é sua história”.
Na literatura, Ary de Lima. Claro, na mesma época, surgiram eminentes figuras das letras: Jorge Ferreira Duque Estrada, Antônio Augusto de Assis (A. A. de Assis), Antônio Mário Manicardi, Dari Pereira, Benedito Moreira de Carvalho, Zaia Carvalho, Galdino Andrade, Verdelírio Barbosa, João Amaro de Farias, entre outros. Mas Lima, digamos assim, foi o representante mor da área naquela década de 1950.

O mineiro talentoso

Ari de Lima, mineiro militante político e precursor da literatura maringaense


 Natural de São Sebastião do Paraíso (MG), Lima foi professor, político, poeta e jornalista. Nasceu em 1914 e, aos 14 anos, era respeitado professor de português e literatura. Na sua cidade natal foi radialista, jornalista e político, elegendo-se suplente de deputado estadual. Ele era da União Democrática Nacional (UDN), oposição ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de Getúlio Vargas.
Em 1952, veio para Maringá, assumindo a gerência do Banco Mineiro da Produção. A cidade fervia com gente de muitas partes do Brasil. Em 1954, deixou o banco, retomou a carreira de professor, dedicando-se ao jornalismo e à política. Na Rádio Cultura, comandou o programa “Marcha dos Pioneiros”, narrando a saga dos colonizadores de Maringá; apresentava também “Coisa de outro mundo”, no qual com ironia denunciava mazelas locais, regionais e nacionais.
Com o poeta A.A. de Assis redigia a revista “Maringá Ilustrada”. Em parceria com Aniceto Matti compôs a letra do “Hino a Maringá”. Compôs também os hinos de Loanda (PR), São Sebastião do Paraíso (MG) e Sinop (MT). Autor dos livros: “Sol poente e sol nascente”, “O sertão ressuscitou”, “Meu Brasil brasileiro – poemas caboclos”, “Discursos parlamentares”, “Melancólico destino das Sete Quedas”, “Panorama florestal brasileiro”, “Turismo – nova aurora de esperanças”, “O desbravador Ênio Pepino”, “O Dia Nacional do Folclore” e “O verde está morrendo”. 

 O italiano que veio por acaso

Professor Aniceto veio da Itália e ministrou as primeiras lições de música na "Cidade Canção"

Nascido norte da Itália, na região de Piacenza, em 1920, o maestro Aniceto Matti é precursor da arte musical em Maringá, na década de 1950. Com nove anos de idade, ganhou seu primeiro piano. Aos 28 anos, concluiu, num conservatório da Itália, o curso superior em música. Também cursou licenciatura poética e dramática. Em 1948, ele mudou-se para Buenos Aires, onde viveu por cinco anos com tios e primos.
Com 33 anos, em 1953, veio passear em Londrina. Queria conhecer as plantações de café do norte do Paraná, o que o levou a pegar carona num caminhão e vir até Maringá. Caiu uma chuvarada fazendo muita lama. Ele pretendia voltar a Londrina, mas, talvez por causa do mau tempo, não encontrou o caminhoneiro que o trouxera. 
Queria retornar à Argentina, mas o pioneiro Joaquim Dutra o incentivou a ficar e lhe arrumou um emprego na Rádio Cultura. Dava aula de piano e acordeão e cuidava da parte artística do “Clube do Caçula”, um dos programas de sucesso da emissora. Conheceu Ary de Lima, que trabalhava na emissora, e o professor Geraldo Altoé, que o convidou para dar aula de Educação Artística no Colégio Estadual Gastão Vidigal. Matti e Lima venceram o concurso para a escolha do hino a Maringá.

Apaixonado pelo teatro

Calil Haddad contribuiu para o desenvolvimento da arte cênica em Maringá

Nascido em Jaú (SP), em 1926, Calil Haddad era o 11º filho de uma família de 12 irmãos, cujos pais eram Regina e Nassib Haddad. Eles vieram de Jacarezinho, norte do Paraná, e chegaram a Maringá em 1946. Calil cursou o primário e o ginásio em Jacarezinho, destacando-se nas disciplinas de francês, latim e matemática.
Nassib fora professor na Síria e, em Maringá, tornou-se comerciante de tecido com a Casa São Jorge, no Maringá Velho. Formado em direito, Calil não exerceu a profissão, tornando-se professor. Simpatizante do comunismo, a paixão dele, o teatro, tornou-se realidade ao conhecer Victor Andreata, um alemão radicado no Brasil, que se dedicava à arte circense.
O historiador João Laércio destaca no livro “História Artística e Cultural de Maringá – 1936/1950”: “Victor ensinou-lhe desde a percepção do potencial da pessoa para atuar, até a forma como lidar com os atores, a fim de extrair o máximo rendimento na hora do ensaio e no momento de execução da peça”.
Superando as dificuldades da época, Calil, fundou, em 1956, o grupo “Teatro Maringaense de Comédias (TMC)”. Em 1959, encenaram a peça “Irene”, de Pedro Bloch. Nos anos seguintes, entre outras, apresentaram “As árvores morrem de pé”, do escritor espanhol Alejandro Casona. Participavam do TMC: Lair Krambeck, Darcy Urizzi, Jerônimo da Silva, Élvio Lemos, Edna Pereira, José Klenckner, Carmen Lopes, Lucia Pires, Edno Gonçalves Fernandes, Raimundo Tavares, Simone Motta, Joerson José Inocêncio, Moacir Cardoso, Zeneide Corrêa, Célia Rosa de Souza e Domingos Fernandes. 

O cronista da imagem

Kenji Ueta contou a história de Maringá registrando os principais eventos da cidade

A arte fotográfica chegou a Maringá em 1940 com os japoneses: Shizuma Kubota, Tutomu Sanuki e um teuto-brasileiro Augusto Eduardo Eidam. Mas eles encerram o negócio no começo da década de 1950. Shizuma e Eidam, inclusive, venderam seus estúdios para Kenji Ueta, que se tornou uma espécie de cronista fotográfico daquela Maringá que começava a se desenvolver. 
Seu Kenji, como é conhecido, fala baixinho. Às vezes, se enrosca em algumas palavras. Mas bater papo com ele vale a pena. Kenji chegou a Maringá, em 1951. Um homem da lida. Após a morte dos pais trabalhou na roça, na região de Ribeirão Preto, interior do Estado de São Paulo. Nascido no Japão, em 5 de agosto de 1927, chegou ao Brasil aos cinco anos após viajar por 48 dias no navio Santos Maru.
De lá veio para Maringá, onde começou a trabalhar numa loja de tecido. Ele e os irmãos Yukio e Tetsuaki juntaram algum dinheiro e entraram para o ramo de fotografia. Logo nasceu o Foto Maringá, no qual está até hoje. Kenji se tornou fotógrafo de eventos. Fotografava casamentos, batizados, festas de debutantes e tudo que aparecesse naquela festiva boca de sertão. Mas tinha tino jornalístico e de historiador.
Diferentes de outros fotógrafos que registraram o nascimento da cidade, ele fotografava com objetivo de guardar as imagens para mostrar no futuro. “Imaginei, do jeito que Maringá está crescendo, mais tarde, o povo vai querer saber como era antes”, racionou. “Então, comecei a registrar a transformação das ruas e das casas de comércio”.
 Ele acredita na máxima de que uma imagem vale mais do que mil palavras. Aliás, vai além. Diz que uma imagem vale por 100 mil palavras. “Não adianta só contar é preciso mostrar”, declara. “Aí entram as imagens que provam o que a gente fala”. Não faltam provas. O fotógrafo tem um arquivo com milhares de cenas de Maringá. Muitas inéditas.

O pintor da terra vermelha

Edgar Osterroht fugiu da guerra da antiga Prússia e retratou com sua pintura a história de Maringá

Dirigi-me à rua Santa Maria, número 27, centro de Maringá, onde  vive o artista plástico Edgar Werner Osterroht. Atrás de uma mesa, numa sala espaçosa com quadros pelas paredes, ele me recebeu.  Não revela a idade, mas pouco importa. Nasceu nos anos 1930 em Tilsit, na antiga Prússia, que foi abolida no fim da Segunda Guerra Mundial. Fugindo dos russos, a família tentou imigrar para o Canadá, mas preferiu o Brasil e, em 1951, chegou a Maringá.
Eles chegaram à cidade na jardineira da Viação Garcia. De Apucarana a Maringá foram cinco horas. Edgar levou algum tempo para se adaptar àquela terra vermelha e ao imenso sertão que se formava na região. Para quem chegava, parecia o fim do mundo. Principalmente, para alguém que vivia na Europa.
Engenheiro, ele foi topógrafo e urbanista da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP) até a década de 1960. Ajudou a criar mais de 15 cidades na região e, entre outros, trabalhou com os engenheiros Vladimir Babkov e Walter Kreiser, que, segundo ele, é um dos inventores do helicóptero. “Foi uma época difícil, mas interessante porque tudo o que se ia fazer era uma aventura”, lembra. “Pensei em ir para São Paulo trabalhar mesmo que fosse de engraxate, mas acabei ficando”.
Casado, dois filhos, Edgar é exímio desenhista. Aos dois anos já rabiscava figuras de carro num papel. Dom que o acompanhou e o transformou num grande artista plástico. Quando trabalhava na CMNP aproveitava as horas vagas para desenhar. “Não havia rádio, televisão, jornais, revistas e nem bar para tomar cerveja, então eu desenhava para não enlouquecer”, conta.
Os desenhos de Edgar retratam a Maringá de outrora. Como ele mesmo diz no prefácio de um dos seus livros: “Lembrando um pouco daquelas cidades de madeira do famoso faroeste norte-americano”. Os desenhos dele se transformaram em dois livros que revelam a história da cidade. Lançados em 1997 e 2007.

Quem chega ao seu escritório anexo a casa dele depara com um quadro do diretor da CMNP, Alfredo Nyffeller, e outro do engenheiro Vladimir Babkov, da mesma empresa. Mas as pinturas não se limitam a pessoas. Retratam ruas, avenidas e famosos estabelecimentos comerciais da cidade. Por exemplo, o Hotel Maringá, no Maringá Velho.
Edgar realizou a primeira exposição de arte de Maringá no Restaurante Lord Lovat, que funcionava na Avenida Tiradentes. Na época, a arte causava espanto. “Aquele alemão não tá bem da cabeça”, diziam. “Pintar casas sujas de barro velho”! Mas aos poucos ele conquistou muitos admiradores e hoje é uma referência da história de Maringá.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

TEMPERATURA VERBAL SOBE NA FRIA CURITIBA


Depoimento de Lula à Justiça Federal, na capital do Estado, inflama ânimo de militantes prós e contras o ex-presidente, que trocaram farpas pelas ruas

Texto e fotos Airton Donizete

Fui a Curitiba de carona num ônibus fretado por militantes que iriam à manifestação em prol do ex-presidente Lula. Saímos de Maringá por volta da meia-noite e meia de quarta-feira. Na entrada de Curitiba, parada na Polícia Rodoviária. Revista das bolsas e interior do ônibus. Um passageiro portava uma máscara antigás. Os policiais ficaram na dúvida. Pode? Não pode? Após muita confabulação e troca de informações pelo celular com superiores, liberaram o equipamento. Afinal, se é algo destinado à proteção do indivíduo, então, pode, não é?
Seguimos até a rua Getúlio Vargas, em um terreno que fica entre a Rodoferroviária e o estádio do Paraná Clube. Ali, militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) levantaram um acampamento. O ônibus ficou lá. Segui a pé com um grupo até a Praça Santos Andrade, no centro, onde havia uma manifestação pró-Lula, organizada pela Frente Brasil Popular. Caveirão, helicóptero, snipers. Um gigantesco aparato de segurança. Pelo menos três mil homens entre policiais federais, militares, rodoviários federais, guardas municipais e agentes de trânsito de Curitiba espalhados pela capital do Estado. 

Pelo caminho, até a Praça Santos Andrade, se revelava a tensão em torno do evento. Alguns motoristas os chamavam de vagabundos; outros gritavam o nome do juiz Sérgio Moro, que iria interrogar Lula. Havia também os que bradavam: - viva Lula!. A troca de insultos permaneceu por todo o percurso. O clima da rua refletia setores da mídia. A revista Veja da última semana traz Moro e Lula frente a frente na capa. Azul contra vermelho. O jornal Metro, edição de Curitiba, do dia do depoimento do petista, o estampa em vermelho na capa junto a Moro, de azul.
O movimento Curitiba Contra a Corrupção organizou um ato em frente ao Museu Oscar Niemeyer, a cerca de um quilômetro do prédio da Justiça Federal, local do interrogatório, e a três quilômetros da Praça Santos Andrade. Havia cerca de 300 manifestantes, mas o clima tenso se espalhou pela cidade. Tomou conta das conversas. Em um ponto e outro era possível ouvir discussões pró e contra Lula. O nível subia e descia. Alguns se exasperam nos termos, resultando em bate bocas. Um menino que jogava bolinha num semáforo discutiu com uma mulher.
A senhora bem vestida dizia estar do lado de Lula. O menino falava que o ex-presidente era culpado; ela retrucou: - foi o presidente que mais fez pelos pobres -. Um senhor que passava por ali disse imaginar o contrário.  - Ué, pensei que ela era contra o Lula -, afirmou. Mais adiante, um homem gesticulava e esbraveja ao celular: - Esses vagabundos, tudo vagabundos -, repetia. Não deu para ouvir, mas parecia se referir aos manifestantes pró-Lula.
Do alto de um prédio uma mulher rodopiava uma bandeira do Brasil. Não sei de que lado ela estava, mas a julgar pelas cores. Entre os contra Lula havia muito amarelo. Parei na Praça Santos Andrade. Pensei: - o que vou fazer na Justiça Federal? Pensei.  -Não estou credenciado; vou ficar lá de longe fazendo o que? Melhor ficar aqui pelo centro mesmo -.
Perto do almoço, subi pela Rua XV de Novembro. Umas três quadras pra frente deparei com quatro manifestantes contrários a Lula. Eles disseram que foram à Justiça Federal; voltaram para o almoço e, mais tarde, retornariam para acompanhar o depoimento. Para eles, Lula não seria preso naquele dia. Eles acreditam que o processo contra ele se prolongue. Não quiseram arriscar uma data para a conclusão do episódio.
O ato na Praça Santos Andrade se arrastou por nove horas. Com discurso de políticos do PT e partidos aliados. Cantores se revezavam entre um intervalo e outro. Destaque para os acordes de Pereira da Viola. Um mineiro de Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, que tem uma maneira peculiar de pontear a viola. Toca muito.
De resto, sobrou o esperado pronunciamento de Lula. O depoimento dele à Justiça Federal demorou cinco horas. Por volta das 20 horas, o líder petista chegou ao local. A praça estava apinhada de gente. Segundo os organizadores da manifestação, havia 50 mil pessoas vindas de várias partes do Paraná e do Brasil. A ex-presidente Dilma também veio. Antes dela, falou Eduardo Suplicy, vereador mais votado de São Paulo na última eleição. Bastante aplaudido.
Enfim, Lula. “Estão cansados”? perguntava a locutora do evento. Eu estava, e muito. Havia viajado quase a noite toda. O petista encerrou o discurso pedindo a verdade e que provem do que o acusam.
- Não quero ser julgado por interpretações; quero ser julgado por provas -, disse, acrescentando: - Se um dia tiver que mentir pra vocês, eu quero que um ônibus me atropele ali na rua -.
Ele deixou o palco ovacionado pelos gritos: “Lula, guerreiro do povo brasileiro!”. Eu me juntei ao grupo que me deu carona para esperar o ônibus e retornar a Maringá. Chegamos por 5 horas da manhã. Que dia tenso! Sensação de final de campeonato de futebol.

Apesar da alta temperatura verbal na fria Curitiba, não houve incidentes entre manifestantes. Apenas alguns rojões foram lançados contra os militantes do MST acampados. Três barracas foram danificadas e duas pessoas tiveram ferimentos leves.  

FOTOS

Lula discursa na Praça Santos Andrade 

Segundo organizadores, havia 50 mil no 
ato em prol do ex-presidente da República

Pereira da Viola, um dos artistas que se apresentaram no ato

Militantes vieram de várias partes do Paraná e do Brasil

Máscara antigás, pode ou não pode? Enfim, liberada

Policiais revistam ônibus que seguia para a manifestação, em Curitiba

Poucos compareceram à manifestação em apoio à Operação Lava Jato, no Museu Oscar Niemeyer (Foto: UOL)











sábado, 6 de maio de 2017

UM DRAMA SEM FIM


Família de Sarandi, cuja casa no Jardim Independência foi destruída por rompimento da rede municipal de abastecimento de água, espera há 17 anos por indenização da Prefeitura

(Texto e fotos Airton Donizete)




A especialidade deste Blog é retratar perfis e trajetórias humanas que rendam histórias interessantes. Mas histórias interessantes nem sempre são felizes. Às vezes, são trágicas. É o caso desta. Em 3 de setembro de 2000, o Brasil disputava um jogo das eliminatórias para a Copa do Mundo de 2002.
Naquele dia, o Brasil venceu a Bolívia por 5 X 0, mas a seleção quase ficou fora daquela Copa do Mundo, amargando um  terceiro lugar nas eliminatórias. No entanto, na disputa do torneio, na Coréia do Sul e Japão, se reabilitou, sagrando-se campeã mundial pela quinta vez.  
Seguindo o hábito de muitos brasileiros, uma família do Jardim Independência, de Sarandi, assistia ao confronto entre Brasil e Bolívia. No momento do jogo, que começou às 17 horas, a rede de abastecimento de água que chegava a casa deles, na Rua Marechal Teodoro, 2177, esquina com a Avenida Danilo Massuia, se rompeu.
Imaginando ser um problema comum, eles acionaram o Departamento Municipal de Água e Esgoto da Prefeitura de Sarandi (atual Águas de Sarandi – Serviço Municipal de Saneamento Ambiental). Funcionários do órgão desligaram a rede. No outro dia, os reparos seriam feitos, e o abastecimento normalizado.

Feliz com a vitória do Brasil, que dava início à sua recuperação nas eliminatórias, a família foi dormir por volta das 23 horas. Na madrugada do dia seguinte, Maria Áurea da Silva, 66, acordou com estalos estranhos. Não havia energia elétrica. Ao acender uma lanterna, ela percebeu que os rodapés das paredes internas da casa estavam se soltando.


“Após o problema, a família morou de favor em casa de parentes por cerca de três anos. Silva conta que sua avó Maria Aparecida Botega de Souza, que já estava doente, se abateu com o caso. A doença se agravou, e ela morreu em 2004”

Assustada, ela acordou o marido e os filhos. Eles passaram o restante da noite fora da casa e, após o dia amanhecer, acionaram o Departamento Municipal de Água e Esgoto e o Corpo de Bombeiros. A água jorrada pelo rompimento da tubulação religada infiltrara no solo, comprometendo a estrutura do imóvel.
Uma vistoria do Corpo de Bombeiro apontou que havia risco de desabamento. A constatação inicial, dias depois foi confirmada em laudo pela mesma instituição. Peritos particulares contratados pela família chegaram à mesma conclusão.
  Daí em diante, a família vive um drama interminável. O que seria apenas um problema na rede de abastecimento de água tornou-se um pesadelo que, em 2017, completa 17 anos.
A família procurou o então prefeito Júlio Bifon (1997-2000) na tentativa de resolver o problema. De acordo com Edson Caetano da Silva, 48, um dos quatros filhos de Maria e Aparecido Caetano da Silva, 63, Bifon propôs reparar os estragos com uma equipe da Prefeitura, mas ao verificar a gravidade da situação, a proposta não foi adiante.
O caso foi parar na Justiça.  Ele deixou a Prefeitura; Aparecido Farias Spada, o Cido Spada (2001-2008), assumiu o cargo. A esperança de resolver o problema se renovou. Ele era amigo da família.
- Fomos criados no mesmo bairro e, durante a campanha, ele se comprometeu a nos ajudar, mas não houve acordo – relata Silva.
Ele diz que Spada não fez proposta à família. De acordo com Silva, Milton Martini que o sucedeu, em 2009, não se envolveu com o caso porque teve uma gestão tumultuada. Em 2010, os vereadores o cassaram com base numa denúncia de abuso de poder econômico.
Em seu lugar assumiu o vice, Carlos Alberto de Paula Júnior. Silva diz que ele se dispôs a revolver o problema cedendo-lhes um terreno no valor do imóvel destruído. Segundo Silva, a família viu alguns terrenos ofertados pela Prefeitura, mas não chegaram a um acordo nos valores.
Carlos de Paula deixou a prefeitura no ano passado sem resolver o caso. A Justiça deu ganho de causa à família em Sarandi e no Tribunal de Justiça do Paraná.
Em 2016, o valor devido à família entrou em precatório. Não há prazo para que o pagamento seja efetuado. A casa danificada virou moradia de andarilhos e consumidores de drogas. A Prefeitura derrubou o que sobrara da construção. Para Silva, o valor do imóvel passa de R$ 180 mil.
Após o problema, a família morou de favor em casa de parentes por cerca de três anos. Silva conta que sua avó Maria Aparecida Botega de Souza, que já estava doente, se abateu com o caso. A doença se agravou, e ela morreu em 2004.
- Minha mãe não se recuperou mais e foi se definhando até morrer – completa a filha dela, Maria Áurea.
Os quatro filhos de Maria e Aparecido com ajuda de parentes compraram uma casa para o casal em outro bairro de Sarandi. A atitude da família se deu porque não há prazo para a Prefeitura pagar a indenização.
- Meus pais não podiam ficar sem onde morar – afirma Silva, que se diz decepcionado com a situação. Para ele, o caso é o retrato do Brasil. 
– Imagine o contrário, nós, pobres mortais, causando prejuízo à Prefeitura, ao Estado, à União. Estaríamos fritos, já teríamos sidos executados judicialmente, mas como somos a parte fraca, nada acontece com o outro lado -.
A Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Sarandi informou que a Prefeitura não tem como prever uma data para o pagamento à família. O pagamento em precatório será feito em 11 parcelas ao Tribunal de Justiça do Paraná, que repassará o dinheiro à família quando a Prefeitura quitar a última parcela.
Júlio Bifon, 75, na época do PSDB, disse que a Prefeitura propôs um valor de indenização à família, mas eles rejeitaram. Segundo ele, queriam um montante fora das condições do município.
- Eu não podia ceder porque depois poderia ser responsabilizado pelo Ministério Público - afirmou.
Cido Spada, 49, que era do PT, diz que a família não aceitou fazer um acordo conforme as condições financeiras do município, optando por seguir com a ação judicial.
- Obedecendo a princípios legais, a Prefeitura teve de recorrer da decisão, levando o caso a instâncias superiores. Infelizmente, o acordo não ocorreu – declarou.
Por várias vezes, tentamos falar com o ex-prefeito Carlos Alberto de Paula Júnior, mas não obtivemos resposta. Um número de celular, fornecido por Antônio Santos, âncora da Rádio Banda 1, de Sarandi, estava fora de área nas tentativas de contato.
Que o destino da família de Sarandi seja o mesmo da seleção brasileira na Copa do Mundo de 2002. Nas eliminatórias jogou mal. Quase foi eliminada, mas se reabilitou na competição e conquistou o pentacampeonato mundial. 

Fotos
- A casa destruída no Jardim Independência de Sarandi

- Edson e a mãe dele, Maria Áurea, esperam, há 17 anos, pela indenização da Prefeitura

- Laudo do Corpo de Bombeiros apontou risco de desabamento; imóvel ficou impossibilitado para moradia