segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Destino: Faxinalzinho...

 Antiga venda de secos e molhados, cujo dono confia nos fregueses e mantém a tradição do fiado, vira atração de distrito de Faxinal, no Vale do Ivaí

Texto e fotos Donizete Oliveira

O professor Donha, de Mandaguari, e o engenheiro agrônomo João Flávio, de Marialva, vez ou outra saem por aí a visitar lugares que muitos só conhecem pelo nome. Um distrito, uma igreja quase esquecida pelo tempo ou uma venda. Daquelas de balcões de madeira, que vendem de tudo. De açúcar, sal, café em pó, feijão e arroz a um remedinho corriqueiro para uma repentina dor de cabeça.

Algumas vezes, eu embarco junto. Conhecer mais um lugar escondido nas entranhas do tempo. Da última vez, fizemos um giro pelo Vale do Ivaí. Passamos por Apucarana, Rio Bom, pelo seu distrito de Nova Amoreira e chegamos ao seu outro distrito, Santo Antônio do Palmital. De lá seguimos rumo a Faxinalzinho, ou Nova Altamira, seu nome atual. Mas o pessoal parece gostar do nome antigo.

Distrito de Faxinal, a 120 quilômetros de Maringá e a 90 de Apucarana. A rua principal. Algumas casas. Uma antiga venda. De portas enormes. Balcão de madeira. A única por ali. O movimento não é grande, mas constante. Uma mulher compra uma caixa de sabão em pó. Outra um remédio para dor de cabeça. Um sujeito chega a cavalo e pede um litro de cachaça. Para beber em casa. “A gente vendia bebida alcoólica no balcão, mas paramos porque começou a dar problemas”, diz Roberson Moreira Rodrigues, 45.

Mas a regra não é tão rígida. O Donha pediu uma cerveja de latinha. O João Flávio acompanhou. Eu também. Consumimos ali. Afinal, somos visitantes. Ele abriu uma exceção. A venda era do sogro dele, que morreu há 17 anos. Desde então, Rodrigues a assumiu. “O movimento não é grande, mas dá para manter (o negócio)”, conta. A 15 quilômetros de Faxinal, é a única opção de comércio por lá.

 O fiado funciona. Rodrigues marca num caderninho. O freguês paga no dia combinado. A maioria trabalha na roça. Uns recebem por semana; outros, por mês. “De um modo geral, a gente vende na confiança e funciona”, diz. “Talvez porque eu conheça todo mundo, a maioria paga certinho”.

A venda dele é conhecida, inclusive, por pessoas de outras cidades que vão visitar as cachoeiras de Faxinal. Um turismo em alta por lá, pois o município tem dezenas delas espalhadas pela zona rural. “Nos fins de semana, eles vêm e param aqui para fazer lanche ou comprar alguma coisa”, afirma Rodrigues, terminando de arrumar uma compra para mais um freguês levar.

Um senhor falante. De cabelos lisos, camisa branca, calça jeans e botas azuis. Uniforme de trabalho. É empregado numa lavoura de tomate. Pede se podemos levá-lo com a compra até a casa dele. O motorista e dono do carro João Flávio concorda. Colocamos as mercadorias no bagageiro e fomos. Ele fala rápido. Embolado. Difícil entender.  Nem mesmo a pronúncia do nome. Entendi apenas o que ele insistia em dizer: “sou filho do Rubens”.

A uns três quilômetros dali chegamos à casa dele. Ao lado mora um casal que também trabalha na lavoura de tomate. A principal atividade rural por ali. Marli e Antônio plantam, pulverizam e colhem tomates. O senhor de fala ligeira e confusa, que continua a dizer que é filho do Rubens, acrescenta que tem internet em casa, se chama Mariano.

Rubens é patrão dele. “Às vezes, ele bebe umas cervejinhas a mais e exagera na fala, mas é gente boa”, diz Marli. Despedimos deles e seguimos pela estrada de terra. A beleza da paisagem distrai e ameniza um pouco o cheiro de inseticidas usados na plantação de tomate. Mauá da Serra, Marilândia do Sul, Leão do Norte, Califórnia, Apucarana, Cambira, Jandaia do Sul, Mandaguari, Marialva, Maringá. Outro dia tem mais...

Reberson continuou o trabalho do sogro na antiga venda no distrito de Faxinalzinho, no Vale do Ivaí

 




Ao chegar em casa, de carona, com as compras que trouxe da venda, a cachorra recepciona Mariano


                                                                        
Marli e Antônio ganham a vida trabalhando na lavoura de tomate, uma das principais atividades do município

                                                                    
Taperas de beira de estrada, algumas abandonadas, iguais a esta, enfeitam a paisagem na região



segunda-feira, 18 de julho de 2022

O dia em que os cafezais ficaram tingidos de negro

Faz 47 anos que a geada negra dizimou os cafezais do Paraná anulando sonhos e 
obrigando muitas famílias a trocarem a roça pelas médias e grandes cidades 
 
Texto: Donizete Oliveira

     Eu tinha hábito de acordar cedo para beber o primeiro leite que saía das tetas das vacas. Meu pai as ordenhava, e eu corria com uma caneca de alumínio. Ele a enchia de leite. Minha mãe misturava café do bule. Dava um gosto especial. Acompanhado de uma batata doce assada era a primeira refeição do dia. Mas naquele dia foi diferente. Meu pai era meeiro e tocava uma propriedade de café na zona rural de Tapejara, no oeste do Paraná. Não lembro quantos, mas eram milhares de pés de café. 
    A noite não foi tranquila. Dormi de calça e com duas blusas. Minha mãe me cobriu com um colchoado de paina. Pesado, me fez sumir no colchão de palha. Manhã de 18 de julho de 1975, dia do meu aniversário. Eu completava nove anos. O frio não me impediu de sair correndo com a caneca de alumínio. A cada assoprada expelia um tucho de fumaça pela boca. Queria o leite quentinho misturado ao café. Encontrei meu pai mudo e estático observando os pés de café, que se avizinhavam da casa. Ele tentava recuperar as forças para ordenhar as vacas. 
    Lágrimas lhe caíam dos olhos. Eu agarrei às pernas dele e desandei a chorar. Esta cena não me sai da cabeça: meu pai contemplando a lavoura negra. O frio que abateu os cafezais do Paraná está na lembrança de quem o vivenciou. Muita gente rumou para as grandes e médias cidades. Alguns permaneceram na zona rural. Derrotados pela monocultura do café adotaram a diversificação agrícola, iniciada nos anos 1980. 
A família Dada é uma das que apostaram em outras culturas. Até hoje vive numa propriedade de dois alqueires na Estrada Vieira, na zona rural de Marialva. “Na época, meu pai tocava apenas café”, conta Eduardo Dada, 46 anos. “Não chegamos a passar fome como alguns produtores, mas sofremos bastante”. Ele e a mãe, Elvira Angelotti Dada, 83 anos, não sabem precisar quantos pés de cafés perderam em 1975. “Aquilo foi um horror”, diz ela. “O sol esquentou, e o cheiro de folha verde queimada tomou conta”.
     Elvira afirma que o prejuízo não foi maior porque eles não tinham meeiro. A própria família cultivava o café. “Mesmo assim, meu pai teve de cortar despesas e reduzir os investimentos na propriedade”, acrescenta Eduardo. O andar vagaroso de Hisato Hashimoto, amparado por uma bengala, não condiz com sua memória. Aos 91 anos, ele se lembra de fatos e pessoas. Nascido em Lins (SP), ele chegou a Marialva em 1947. Vive na mesma propriedade de cinco alqueires, nas margens da estrada que liga a cidade ao distrito de Santa Fé. 
     Em 1975, Hashimoto era empregado, mas perdeu todo o café que cultivava. “Foi uma catástrofe, que nos deixou a zero”, conta. “Nossa sorte que naquele tempo, vivia-se de qualquer jeito, mesmo sem dinheiro, sustentando do que se plantava na roça e dos porcos e galinhas criados no quintal”. Na época, ele colhia uma média de 700 sacas de café plantado com espaçamento, possibilitando o cultivo de milho, arroz e feijão entre os pés. Hashimoto diz que após a geada de 1975, o trabalho maior foi dar destino à lenha seca que restou. “Trabalhamos vários dias para retirar aquele entulho sem serventia”, afirma. Mas ele não desanimou com a geada. Ao contrário de muita gente que partiu para a cidade, permaneceu no sítio, comprando-o, mais tarde, com dinheiro oriundo do trabalho no local, onde mora até hoje. 
    Casado com Tomie Hashimoto, 89 anos, ele tem quatro filhos, dez netos e dois bisnetos. Mora apenas com a mulher no local, que é um verdadeiro museu do café. As casas de madeira. O terreirão, a tulha e o secador. O café, oito mil pés, continua o carro-chefe da propriedade. Ele não soube informar números da safra, alegando que, de ano para ano, varia muito.

Jornais de todo o Brasil estamparam manchetes da tragédia que arrasou com os cafezais do Paraná

Pioneiro viveu auge do café 

Uma das maiores produtoras de café da região foi a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP). Colonizadora que nasceu da Companhia de Terras Norte do Paraná, fundada por ingleses em 1925. Paralelo à venda de terras, a companhia comprou algumas fazendas para cultivar café.

Quem viveu essa época de fortuna dos grandes cafezais é o pioneiro José Remígio Pereira, que chegou a Maringá em 1953. Ele morreu em 2016, aos 103 anos, mas em 2015, no aniversário de 40 anos da “geada negra”, me recebeu na casa dele, em Maringá, para uma entrevista sobre o assunto. O pioneiro se recordou de quando saía pela região para consertar as máquinas de café da companhia, onde trabalhava.  

Um de seus trajetos era ir até Umuarama (160 quilômetros de Maringá) reparar uma máquina cafeeira. Com chuva, de jipe, demorava sete horas pela estrada de chão batido. O meio mais fácil era o avião teco-teco, que fazia o percurso em 40 minutos. “Lá de cima, a gente via aquela nuvem de poeira que saía do chão, era Maringá”, conta.

Na cidade, tornou-se operador da Cafeeira Santo Antônio, que funcionava na Avenida Mauá, esquina com a Avenida Tuiuti. Em 1965, foi vendida para a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná. O gerente da colonizadora, Alfredo Nyfeller, impôs uma condição: só compraria a cafeeira se Remígio, Luiz Roberto Bolotta e Dante Panzeri (também funcionários) viessem juntos.

Proposta aceita, Remígio permaneceu 31 anos na companhia. Ele lembra que em época de safra beneficiava 200 sacas de café por dia. As fazendas da colonizadora tinham 1 milhão de pés de café e produziam em torno de 50 mil sacas por ano.

Luiz Roberto Bolotta, 73, da Cafeeira Santo Antônio foi transferido para o escritório da companhia, na esquina entre a Avenida Duque de Caxias e rua Joubert de Carvalho, onde trabalhou por 35 anos. Na época, havia mais de 50 máquinas de beneficiar café em Maringá. Segundo ele, o café rendia muito dinheiro para a companhia. “No período de venda, minha rotina era contar maços de cédulas no balcão do escritório e levar tudo a pé numa sacola ao banco”, conta. “Naquele tempo não havia assalto”. 

Remígio tem oito filhos de três casamentos. É casado pela terceira vez com Florinda Rossi Pereira, 81. Ele diz que naquele dia 18 de julho de 1975 fez tanto frio que se os pés de café tivessem sido cobertos queimariam do mesmo jeito. “Eu fiz o teste”, conta. “Cobri um pé que tinha no quintal de casa, mas ficou todo preto soltando a casca”. As mangueiras de água amanheceram congeladas. “Algumas chegaram a partir”, acrescenta o pioneiro.

Golpe de misericórdia e até suicídios 

O jornalista Valderi dos Santos diz no seu livro, “O café no norte do Paraná – ascensão e queda”, que a geada de 1975 destruiu mais de 900 milhões de pés de café no Estado. Ele ressalta, no entanto, que o fenômeno foi apenas um golpe de misericórdia. Para o jornalista, o governo federal não dera devida atenção aos cafeicultores, derrubando o preço da cultura, desvalorizando-a no mercado. Eram tempos difíceis. Os agricultores, que não recebiam incentivos do governo, foram mais rápidos à lona com as condições adversas do clima.

O engenheiro agrônomo Marcos Aurélio Volpato, 56 anos, diretor geral de Agricultura, da Prefeitura de Marialva, afirma que o estrago da geada se ampliou porque a maioria dos agricultores dependia apenas do café. Houve casos em que a perda chegou ao extremo. “Alguns que já estavam endividados acabaram cometendo até suicídio”, conta. Na época, ele era estudante do antigo segundo grau.

Volpato ressalta que o pior ocorreu após a destruição dos cafezais. Muita gente se mudou da zona rural para capitais. Irineu Pozzobon, no livro: “A epopeia do café no Paraná”, afirma que entre 500 e 600 mil trabalhadores deixaram o Estado. A maioria foi para São Paulo trabalhar nas indústrias automobilísticas. “Com as crises econômicas muitos perderam o emprego e ficaram na penúria”, declara. “Os que não conseguiram voltar ou não trocaram de ramo sofreram muito”. A soja foi uma das opções para quem quis continuar na agricultura.

A safra paranaense de 1975, colhida antes da geada, rendeu 10,2 milhões de sacas de café, 48% da produção brasileira. O Estado tinha uma produtividade superior à média nacional. No ano seguinte, a produção foi de 3,8 mil sacas. Não houve exportação. A participação paranaense na produção brasileira caiu para 0,1%.

Especialistas avaliaram que o prejuízo chegara a Cr$ 600 milhões (pela cotação da época, o equivalente a US$ 75 milhões) apenas nas lavouras de café. Outras culturas também foram atingidas. Mas o café sustentava a economia do Paraná naquela época. Uma situação que mudaria em seguida, pois os cafeicultores nunca mais se recuperariam daquele evento climático. 

O fotógrafo do café

Em seu Jipe Willys fabricado em Toledo Ohio, nos Estados Unidos, em 1954, ele cortava as estradas barrentas do norte e noroeste do Estado. “Por aqui havia a fama: quando não era pó, era lama, mas a gente encarava e ia em frente”, recordara-se ele, em entrevista, em 2013. Trata-se do fotógrafo Armínio Archimedes Pedro Gonçalves Kaiser, que morreu em 2014, aos 88 anos. Engenheiro agrônomo, ele trabalhou no Instituto Brasileiro do Café entre 1953 e 1989. Nas visitas que fazia pelo Paraná fotografava assuntos relacionados ao café.

O acervo fotográfico de Armínio veio a público com os livros “Ao sabor do Café” e “Ao aroma do café”. A autoria dos trabalhos é do Instituto de Memória e Imagem “Câmara Clara”. Não faltavam cenas para a câmera dele. Em 1967, em Mandaguari, um homem, que vem da zona rural, leva ao cemitério, o corpo do filho num caixãozinho. Dois sujeitos proseiam na beira de uma estrada, que, segundo Armínio, se intitula: “Esperando Godot”. “Mas Godot não veio”, complementa.

As cenas mais tristes que fotografou talvez tenham sido em 1963, ano de um incêndio nas lavouras do Paraná. Após uma grande geada, pastos e cafezais ficaram secos. Trabalhadores atearam fogo para fazer o plantio esperando a chuva, que não veio. O fogo se alastrou e por cerca de quatro meses transformou em cinzas casas, lavouras, pontes e tudo que tinha pela frente.

Mas as geadas de 1962 e 1963 e o incêndio rural que se seguiu no Paraná não impediram a grande produção cafeeira. Veio a erradicação. Em seu livro “A epopeia do café no Paraná”, o engenheiro agrônomo Irineu Pozzobon escreve que a erradicação atingiu 1,34 bilhões de cafeeiros no Brasil; 249 milhões no Paraná.

Com a crise de 1929, o preço do café despencou no exterior. O governo federal resolveu comprar 18 milhões de sacas, ajudando os produtores. Sem ter o que fazer com tanto café, queimou-as. Armínio descrevera: “Quem passasse entre Arapongas e Sabáudia em junho de 1961 assistiria a um espetáculo inédito: um mundaréu de café pegando fogo. Por aqui, ouvi falar em 10 milhões de sacas de café virando cinzas”.

Após as geadas e os incêndios da década de 1960, o frio voltou em 1975. As lavouras que mal tinham saído de uma catástrofe eram dizimadas pela geada negra. 

Em milhares de fotos como esta, que mostra a mulher rural, Armínio Kaiser retratou o auge do café no Paraná

Geada negra mata até a raiz

A geada negra é formada por uma condição atmosférica que congela a parte interna da planta. O poder de destruição é maior. Ocorre quando há atuação de massa de ar polar de forte intensidade, com temperatura baixa e pouca umidade. Em contato com a superfície há o congelamento, provocando enormes danos físicos na planta. “É um fenômeno precedido de muito vento”, diz o professor Hélio Silveira, 44, do departamento de Geografia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e coordenador da Estação Climatológica da mesma instituição.

Quando se forma apenas uma camada de gelo na superfície chama-se de geada branca. Se a seiva da planta congelar é geada negra. Esse último tipo é a mais devastadora para as plantações, mas só ocorrem em cidades bem frias. No Brasil, na maioria das vezes, apenas nas regiões serranas do Sul. Foi o que ocorreu em 18 de julho de 1975. No dia anterior ventou muito. “A geada negra se forma devido ao vento muito gelado, congelando a seiva da planta e ocasionando perda total”, afirma Silveira.

O jornalista Valderi dos Santos, no livro “O Café no norte do Paraná – ascensão e queda” relata que em 1953, a geada provocou queda de 58% nas safras seguintes. Em 1955, 65%; 1962, 49%; 1963, 22%; 1966, 24%; 1969, 87%; 1972, 58% e 1975 prejuízo total. “Na época foi destruído todo o parque cafeeiro do Estado”, escreve ele.

A economia, que dependia muito do café, demorou a se recuperar

Produção ressurge com qualidade 

O Paraná hoje não figura entre os maiores produtores de café do Brasil. Há muitos anos, perdeu o posto para Minas Gerais. Mas o Estado vive um bom momento na produção do grão. As pequenas propriedades lideram a produção. A maioria é cultivada mecanicamente. É o caso de Antônio Geraldo Rosseto, 54, de Mandaguari.

Descendente de italiano, cujos pais, em 1953, atraídos pelo café, vieram do interior de São Paulo para Mandaguari.  A família Rosseto tem um sítio nas margens da rodovia que liga a cidade à Maringá. Antônio, que nasceu na propriedade, cultiva 20 mil mudas. A colheita lhe garante em torno de 500 a 600 sacas em coco. A diferença está na lida do produto. Tudo mecanizado.

A colheita dos grãos é feita com máquinas manuais. Em seguida, são transportados numa caminhonete até o terreiro. Rosseto não quis nem posar para foto com um rastelo na mão. Mas nem sempre foi assim. Segundo ele, antigamente, “era tudo no braço”. Quando ameaçava chuva durante a colheita era um problema. “A gente ia pegar um animal para pôr no carrinho era um Deus nos acuda”, afirma. “Parece que o bicho adivinhava e danava a correr”.

Apesar dos contratempos na economia que atrapalham a agricultura, ele e a família apostam no café, que já lhe deu um título de melhor produtor regional em concurso organizado pela Cooperativa Agropecuária e Industrial de Mandaguari (Cocari). “Hoje, o que manda é a qualidade”, diz. “Pouca planta e bastante colheita”. Antigamente, plantava-se muito, mas produzia menos e com qualidade inferior.

Para ele, a geada de 1975 foi uma catástrofe, mas quem não dependia de mão de obra conseguiu se recuperar. É o caso da família Rosseto que sofreu o impacto do fenômeno climático, mas se reergueu. Mesmo assim, alguns dos parentes foram para São Paulo, onde moram até hoje.

O agrônomo Marcos Aurélio Volpato diz que o café é um bom negócio, levando em conta o preço, que gira em torno de R$ 400 a saca de 60 quilos. Mas ele aconselha o produtor a explorar a atividade com mão de obra familiar, evitando gastos excessivos. “Mecanizar o máximo possível e só contratar mão de obra esporadicamente”, diz, acrescentando: “Cultivar a lavoura no sistema adensado; utilizar cultivares mais resistentes a pragas e doenças; colher no pano com sopradores de palhas motorizados e secar em terreiros suspensos ou em lonas plásticas”.


Rosseto, de Mandaguari, diz que colheita atual é à base de máquina e prima pela qualidade (Foto: Donizete)

Nota: Esta reportagem é de 2017, publiquei na revista Tradição, de Maringá. 

segunda-feira, 21 de março de 2022

Chuva, Lula, Requião, solidariedade, sem terras, sem comida, sem autógrafo e beijo na mão

 TEXTO E FOTOS: Donizete Oliveira

 

Manhã de sol. Mas o tempo ameaçava com nuvens pesadas no horizonte. Destino Lerroville. Pela BR-376, trevo de Mauá da Serra. A 35 quilômetros sentido Londrina, da qual é distrito. Uns três quilômetros à frente, por uma estrada de terra chega-se ao assentamento Eli Vive, onde Lula, Requião e parte do staff petista estiveram sábado.

Fui de carona com amigos de Apucarana. Gava, Rosa, Magrão e Paulo Reis. Quem chegou cedo a Lerroville, nosso caso, os pinheiros eram referência. No pinheiro, virem à direita. Nos explicaram. Mas tinha mais de um à beira da estrada de chão. 

A sinalização começou a ser colocada assim que a gente chegou. Bandeirinhas vermelhas indicavam a rota. Logo caiu o aguaceiro. As laterais de algumas barracas precisaram ser tombadas para escorrer a água acumulada. Gentes munidas de enxadões improvisavam sulcos para escoar a água que as invadia.

A expectativa era a presença de Lula. Dizia-se que ele chegaria  ao local antes das 11 horas. Mas chegou por volta das 14 horas. Desde cedo, fotógrafos e cinegrafistas ficaram no chiqueirinho, na entrada de um enorme pátio. Nos disseram que a comitiva de Lula e Requião passaria em frente. Eles visitariam a barraca de produtos cultivados e produzidos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O chiqueirinho de fora era a céu aberto. Por causa da chuva, nos transferiram para o fundo da barraca. Apesar do improviso, a mudança melhorou nossa posição. Ideal para fotografar quem adentrava. Lula e comitiva iriam ver os produtos. Aquelas demonstrações de praxe. Uma autoridade ouvindo sobre o que se planta e o que se produz numa região.

Com a comitiva veio um batalhão de gente na frente. Inclusive outros fotógrafos, atrapalhando os que ficaram atrás. Lula distribuiu comprimentos. Ouviu explicações e perguntou sobre alguns produtos. André Vargas, ex-deputado que foi ativo nos quadros petistas, estava lá. Virou produtor de pitaia, numa chácara em Ibiporã. Disse que levara uma caixa da fruta ao Lula.

Eu levei um exemplar do livro “Lula – biografia”, de Fernando Morais. Na saída da barraca, pedi a Lula para autografá-lo. Ele mirou o livro, como se fosse afirmar algo. Após alguns segundos disse: “depois eu assino”. Um dos seguranças que o acompanhavam reforçou: “Ele assina, pode ficar tranquilo”.

Fomos ao barracão aberto ouvir os discursos. Estava lotado. Falavam-se em dez mil pessoas. A maioria de assentamentos rurais. Vieram de ônibus.  Eu calculei sete mil.  Os discursos se revezaram. De João Pedro Stédile, economista, um dos fundadores do MST, a Bela Gil, filha de Gilberto Gil. Ela apresenta um programa de culinária numa TV por assinatura. Fiquei sabendo quem era por uma coordenadora da barraca do assentamento.

No barracão, o local reservado para fotógrafos e cinegrafistas, ao lado do palco, foi tomado pelo público. Cada um teve que se virar no meio da multidão para fotografar os falantes no palco. Deveriam ter feito um elevado de tábuas, como fizeram em eventos semelhantes que cobri. Fotógrafos e cinegrafistas ficam acima do público na entrada. Facilita o trabalho.

Após sucessivos anúncios, Lula, enfim, falou. Declarou que o atual governo é uma fábrica de mentiras. Apelou para que os eleitores votem em candidatos a deputado e a senadores comprometidos com as propostas de um eventual governo petista. “Não podemos pôr raposa no galinheiro, que ela vai comer as galinhas”, comparou.

 Ressaltou que entre os candidatos a presidente da República ele é o que mais entende a alma do povo. “Eu conheço o chão de fábrica e sei o que é sentar numa mesa e não ter o que comer”, disse. “Morei em casa que, com chuva, a gente tinha de acordar de madrugada jogar água para fora e espantar barata e outros insetos que saíam pelos ralos”. Daí porque ele decidiu ser candidato, afirmou. Garantiu que vai recolocar o pobre no orçamento do governo federal e cobrar impostos daqueles ricos que não pagam. “Não é vingança, é justiça, sem isso, o Brasil não pode dar certo”.

Stédile disse acreditar na eleição de Lula, mas apelou “aos companheiros” que não arredem pé e se organizem para elegê-lo. A organização se chama “Comitês populares” que se encarregarão de divulgar a proposta de governo petista. “Deus ajuda quem se organiza”, disse, citando o dito de um amigo, padre de uma instituição em que ele estudou no Rio Grande do Sul.

Requião revelou que aos 81 anos, a indignação o faz disputar mais uma eleição para o governo estadual, que ocupou três vezes. “Quando vejo mulheres assaltando caminhões de lixo em busca de comida, quando vejo açougues que descartavam ossos, hoje, separando ossos de primeira e de segunda para vender aos esfomeados sem salário, entendo que preciso voltar ”, declarou.

Ele disse se animar ao ver o MST a lutar por um Paraná e um Brasil melhores. “Vocês me inspiram e reconfortam minha alma”, ressaltou, afirmando que está numa caminhada por uma mobilização de redenção nacional. “Só temos um caminho, eleger Lula presidente”.

Fim dos discursos. O povo se dispersa. Passavam das 15 horas. Ouvi dizer que teriam dez mil marmitas para os presentes. Quem estava apenas com o café da manhã. Um alívio. Mas não teve. Disseram que o caminhão que as trazia encalhara na estrada. A boia azedara. Restou comer alguma coisa no trajeto de volta.

Antes de partir fui ver a saída da comitiva. Com esperança de que Lula autografasse meu livro. Fiquei ao lado do corredor por onde passariam. O povo se ajuntou. A maioria mulheres. Uma foto com o Lula, apelavam. Ele veio parando para autorretratos (as tais selfies). Indaguei o assessor que prometera o autógrafo do ex-presidente. Mal me olhou. Sem autógrafo.

Entre os presentes, esperança. Ari Adelino de Assis, 64, viera de Ortigueira. Ele, que vive num assentamento, diz esperar dias melhores. “Se continuar assim, a gente não sobrevive”, reclama. “Está tudo caro, esperamos uma mudança, daí porque apoiamos o Lula e o PT”. “Precisamos de um governo que nos dê incentivos para produzir e vender nossos pães, bolos, pudins, marmitas”, emenda Josiane Cristina dos Santos Lima, 38, do mesmo município, se referindo às mulheres do MST.

Uma colega dela, de Santa Maria do Oeste, que não quis se identificar, diz que o governo federal precisa investir em programas de qualificação profissional para as mulheres dos assentamentos. “A gente faz produtos em casa para vender, mas precisamos de aperfeiçoamento e tem aquelas que precisam aprender”, afirma. 

A servidora municipal Yvi Rosa, 29, de Londrina, diz que a mulher do campo está mais organizada, contudo, precisa de atenção do poder público. “É o que esperamos de um futuro governo petista, que tire o Brasil desse imenso buraco em que nos enfiaram”.  

Cada participante do evento em Londrina foi convidado a colaborar com a arrecadação de alimentos. A expectativa era reunir em torno de 60 toneladas de legumes, grãos, panificados, frutas e lácteos produzidos pelas famílias do MST. Seriam doados a bairros periféricos de Londrina.

Na parte interna do assentamento, meus olhos atiçavam o estômago em meio a frutas, cereais, doces, pães, bolos, queijos, cachaças, entre outros. Só exposição. Não vendiam. Na parte externa, havia quiosques, mas vegetarianos iguais a mim se deram mal. Só iguarias de carnes.  

Partimos. Devagar atrás da imensa fila de carros na estrada lisa de lama. A rodovia. Paramos no primeiro restaurante. Sem comida, tem razão Lula, a gente não vai a lugar nenhum. Felicidade incontida era da Rosa.  Havia um buraco na lona plástica que separava o corredor em que a comitiva de Lula passava e a multidão que o aguardava.  Ela enfiou a mão lá no momento em que eles chegavam. Lula apertou a mão dela e a beijou. "Emocionante", repetia ela, no caminho de volta. 

O ex-presidente Lula discursou no assentamento Eli Vive com críticas ao governo federal e a parlamentares

Barraca com alimentos cultivados e produzidos pelos trabalhadores assentados

O salão aberto do assentamento Eli Vive ficou lotado para ouvir os discursos de Lula, Requião e comitiva 

Parte das 60 toneladas de alimento que seriam arrecadas no evento e distribuídas na periferia de Londrina

Lula assediado pela multidão, que implorava por uma foto, durante o evento do MST realizado em Londrina


terça-feira, 15 de março de 2022

"Acabou o café, acabou o dinheiro"

 

A saga do baiano Prudenciano, que deixou a terra natal e veio para o norte do Paraná atrás do cobiçado ouro verde, como eram chamados os cafezais de outrora

Texto e fotos Donizete Oliveira

O município baiano de Riacho de Santana, a 715 quilômetros de Salvador, guarda um passado de desigualdades sociais e escassez de trabalho. A vida difícil obrigou muitos a buscar oportunidades longe dali.  Uma rota preferida era o norte e o noroeste do Paraná. Nas décadas de 50 e 60, um oásis de fartura. Impulsionado pelo café, o cobiçado ouro verde.

Um dos que migraram em busca da terra prometida é um baiano que fala pouco, mas no rosto traz as marcas do tempo. Sentado num banquinho de madeira na mercearia Santo Antônio, antiga venda de secos e molhados, no distrito de Rio Bom, Santo Antônio do Palmital, ele se recorda do auge do café na região.

O ano era 1962. Gentes chegavam e se instalavam atraídas pelos pés carregados de grãos. “Moço do céu era um formigueiro”, diz Silvano Prudenciano do Carmo, 78, meio desconfiado por que estou lhe fazendo perguntas. “Pra que você quer saber essas coisas”, indaga.

Uma entrevista. Para o senhor falar do passado da região, explico. Silêncio. A gente proseia, proponho. Prudenciano faz cara de que não entende, mas aceita. Diz que viera da Bahia mais um colega apanhar café. “A gente se deu bem porque tinha muito serviço”, conta. Diversões também. Jogos de futebol, festas, bailes e até cinema. “Um pessoal da cidade vinha passar filme aqui, num salão, que ficava apinhado de gente”.

A dez quilômetros de Rio Bom e a 40 quilômetros de Apucarana, Santo Antônio do Palmital, no Vale do Ivaí, tem em torno de 300 moradores. A maioria trabalha na roça. Com a queda do café, as pessoas foram se mudando. Alguns dos que permaneceram é porque conseguiram comprar um pedaço de terra. É o caso de Prudenciano. “Guardei um dinheirinho do tempo de vacas gordas e comprei uma chácara, onde moro com minha família”, declara, se referindo aos bons tempos do café.  Casado com Maria do Carmo, ele tem dois filhos e dois netos.

 Agnaldo Alves, 36, nasceu no distrito e concorda com o pioneiro. “No tempo da bonança do café corria dinheiro”, afirma. Laércio Maia, 54, que trabalha na roça e ganha R$ 80 por dia, diz ouvir os mais velhos enaltecerem o passado. “Era uma época muito movimentada em que ninguém ficava sem trabalho”. De cabeça baixa, Prudenciano emenda com um sorriso contido: “acabou o café, acabou o dinheiro, acabou o que era doce”. 

Prudenciano se recorda da época dos cafezais

Tranquilidade é o que não falta em Santo Antônio

A antiga venda de secos e molhados resiste


segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

DENTISTA, FOTÓGRAFO, PILOTO...

 

Não faltam atividades para o pioneiro Laércio Nickel, que nasceu em Poços de Caldas (MG) e chegou a Maringá em 1951, ajudando a consolidar a profissão de dentista na cidade, onde vive até hoje no seu apartamento cercado de objetos antigos e ainda exercendo um dos seus hobbies: a fotografia

Texto Donizete Oliveira

Fotos Arquivo pessoal e DO

 

Uma visita ao apartamento do dentista Laércio Nickel Ferreira Lopes, no centro de Maringá, é uma volta ao passado. Aparelhos de som, máquinas de escrever, câmeras fotográficas (mais de duzentas), entre outras relíquias, que só podem ser vistas por lá. Ele vai à frente descrevendo cada objeto e se o visitante imaginar que já viu tudo, Laércio Nickel mostra outro, olha nos olhos no interlocutor e dispara: “baba”. É de babar mesmo ao descobrir detalhes de cada antiguidade.

Nascido em 14 de abril de 1928, em Poços de Caldas (MG), ele chegou a Maringá em 1951, com o amigo de infância e de profissão Newman da Silva Gomes. Laércio Nickel se formara em Alfenas, no sul de Minas Gerais. Em Maringá, ele exerceu a odontologia por mais de 50 anos e se casou com Lúcia Moreira, filha de Napoleão Moreira da Silva, tradicional político local, cujo nome batizou uma das principais praças da cidade. O casal tem os filhos: Vânia, Ênio, Sônia, Vera e Luciano, quatro netos e dois bisnetos.

Fotógrafo, apesar da idade, não tem dificuldade para explicar aberturas da lente e velocidades do obturador conforme as condições de luz. Aliás, não faltam coisas que ele faz, e bem feitas. Artesão (produz peças com miúdas pedras coladas), escritor, rádio amadorista (quando havia poucos telefones em Maringá, ajudava na comunicação), piloto de avião e colecionador de antiguidades. “Sempre fui muito dedicado àquilo que gosto de fazer”, diz. “Tenho paixão em viver e conviver com as pessoas”.

Um livro seria pouco para contar as aventuras de Laércio Nickel. Só as de piloto preencheriam algumas páginas. Por exemplo, aquela em que desligou o motor para dar um rasante. O motor não religava, e ele tentou, tentou, até fazê-lo funcionar no limite para completar a manobra. Por pouco, hein! Mas aquilo não foi nada para quem se tornou um playboy de avião, como ele mesmo diz.

Com tantos afazeres, Laércio Nickel sempre arrumou tempo para participar de clubes de serviços comunitários. Em 14 de maio de 1953 foi fundada a Associação Maringaense de Odontologia (AMO), numa reunião no antigo Aeroclube de Maringá. O dentista pioneiro participou do ato, se tornando um dos fundadores da entidade, cujo primeiro presidente foi seu amigo Newman da Silva Gomes. “Tempos difíceis, mas também de muita união e colaboração de todos, sempre pensando na melhoria das condições de trabalho dos profissionais dentistas em Maringá”, afirma.

Sua atuação social em Maringá é ampla e diversa. Entre outros feitos, fundador do Lions Clube de Maringá, na década de 50, um dos primeiros do Brasil. Ele é o único fundador vivo e o Leão (membro do clube) mais antigo do Paraná; homenageado diversas vezes pela entidade. Do Maringá Clube, fundado pela Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP), é pioneiro fundador.

Filho de Luiz do Prado Ferreira Lopes e Maria Luiza Nickel Ferreira Lopes. O pai foi coletor Federal em Alfenas e seu avô Gaspar José Ferreira Lopes prefeito daquela cidade por três mandatos e senador mineiro na primeira República. Na época, os Estados tinham câmaras legislativas, e ele exerceu o mandato em Minas Gerais.

Em 14 de abril de 2018, Laércio Nickel celebrou seus 90 anos. Para comemorar, seus parentes se reuniram em Maringá. Nada mais justo, pois é um pedaço da história mineira que se juntou ao noroeste do Paraná, onde continua fazendo história. Alvo de muitos cumprimentos, ele ouviu repetidas vezes: que esta data se prolongue por muitos anos!

Laércio no apartamento dele, que se tornou quase um museu

Com a mulher, Lúcia Moreira, cujo pai dá nome à praça em Maringá

Vitrola, que funciona por corda, no apartamento dele

Filhos e demais parentes na comemoração dos 90 anos de Laércio


 

domingo, 2 de janeiro de 2022

VIAGEM - Pampulha, um mergulho na arte


Complexo de monumentos arquitetônicos, visita obrigatória para quem vai à capital mineira, proporciona apreciar obras de renomados artistas brasileiros, exercício da fé cristã e proximidade com a natureza

Donizete Oliveira, texto e fotos*

Uma mistura de arquiteturas, museus e natureza, com muita água. A bacia hidrográfica da Lagoa da Pampulha faz parte da bacia do rio das Velhas, que desemboca no rio São Francisco. Muita coisa para ver nos seus 18 quilômetros de extensão. A Igreja São Francisco de Assis é a principal obra do conjunto, com mais traço de Oscar Niemeyer, que a projetou em 1942.

A construção da Pampulha prova a importância de um administrador público concluir os projetos de seu antecessor. O prefeito de Belo Horizonte, Octacílio Negrão de Lima, no seu primeiro mandato (1935-1938) iniciou o represamento do Ribeirão Pampulha, com objetivo de construir uma lagoa. Em 1943, a obra foi completada na gestão de seu sucessor Juscelino Kubitschek (1940-1945).

Niemeyer a projetou, mas a fundação arquitetônica da Igreja São Francisco é do engenheiro Joaquim Cardoso. Dizem que Niemeyer se inspirara nas montanhas de Minas cobrindo-a de curvas. Primeira igreja do Brasil com traços modernistas é o principal cartão-postal da capital mineira. Quem a visita deve se atentar aos detalhes.

Por exemplo, o altar principal,  obra de Cândido Portinari. Dedicado a São Francisco de Assis, um cachorro no lugar do lobo chocou autoridades eclesiásticas, deixando-a 14 anos isolada, sem celebrações religiosas. Os 14 painéis da via-sacra e os externos completam o trabalho de Portinari. Paulo Werneck assina os painéis figurativos e abstratos. Alfredo Ceschiatti esculpiu os de baixo-relevo em bronze do batistério; Burle Marx projetou os jardins.

Mas a visita continua. A Pampulha é uma obra de arte. Cercada por casarões antigos, vale a pena esticar o passeio ao Cassino, que virou museu de arte com um acervo de 900 obras e à Casa do Baile, cartão-postal de BH, com fachada barroca.

Também não podem ficar de fora o Iate Golfe Clube, com obras de Portinari e Burle Marx e a Casa Kubitschek, construída para o então prefeito JK passar os fins de semana, virou museu.

O aposentado Pedro Alves, um simpático senhor de 72 anos, que fica na Igreja de São Francisco, é uma espécie de guia do local. Ele faz questão de mostrar e explicar os detalhes aos visitantes. “Faço com prazer, revelando as belezas e os valores deste local, que é uma joia de Belo Horizonte e do Brasil”, diz.

*O jornalista viajou a Belo Horizonte.

Igreja de São Francisco de Assis, arte de Oscar Niemeyer


Visão parcial do encantador lago da Pampulha

Esculturas de JK, Niemeyer, Portinari e Burle Marx